Há algum tempo venho me deleitando com a leitura das circulares conciliares e pós-conciliares que Dom Hélder Câmara escreveu ao grupo de amigos e colaboradores na década de 60, durante e após o Concílio Vaticano II. Em treze alentados volumes, publicados pelo Instituto Dom Hélder Câmara em parceria com o Governo do Estado de Pernambuco, as circulares endereçadas à “Querida Família Mecejanense” revelam, dentre outras coisas, a realidade por que passou o Brasil na época. A luta contra os anos difíceis de repressão é explicitada em diversas ocasiões, na verdade, é quase constante.

Pois bem, lendo esta semana as circulares escritas entre os meses de fevereiro e dezembro de 1968, um dos períodos mais difíceis para o país, me pus a matutar sobre o quanto o Dom era um homem otimista e esperançoso. Esse pensamento me ocorreu quando lia a circular escrita entre os dias 10 e 11 de junho de 1968. Com o ímpeto e entusiasmo que sempre o caracterizaram, escreve: “Na medida em que acreditamos profundamente, misticamente na força da verdade, da justiça, do bem e do amor, a ponto de resistirmos em absoluto à tentação da violência, mas resistirmos igualmente à tentação de covardia; na medida em que as dificuldades nos alimentarem e os perigos nos encorajarem, os adeptos se multiplicarão em torno de nós, e seremos invencíveis” (Circulares pós-conciliares. Recife: Cefe, 2013; v. 4., t. 2., p. 128).

Ante a admoestação do Dom, tão incisiva, não pude deixar de pensar no momento atual. Como acreditar ainda “na força da verdade, da justiça, do bem e do amor”, ante a situação escabrosa por que passa o Brasil neste momento? A quem recorreremos, quem terá os atributos necessários para promover mudanças profundas e consistentes que nos permitam dias melhores e um pouco mais de estabilidade? Enquanto assim refletia, recordei o trecho da circular de Dom Hélder. Foi aí que me dei conta de que, do início ao fim, em nenhum momento o Dom se refere a um “eu” ou um “tu”, centrando o seu discurso sempre em torno de um “nós”.

Enquanto matutava, recordei um episódio ocorrido no início da semana. Comentando com Naza, minha esposa, uma reportagem que acabáramos de ler, na qual eram noticiadas as últimas “novidades” sobre a confusa e triste situação em que está imerso o nosso querido Brasil, manifestei-lhe a minha esperança de que esse momento seja apenas uma fase por que o país está passando, e que ela, afinal, se revele um momento de expurgo, uma depuração, de modo que, algum dia, pelo menos os nossos netos possam ter, de fato, gerindo os destinos da nação, pessoas que façam jus ao crédito que lhes foi dado pelos eleitores ao sufragarem seus nomes nas urnas. Acreditar misticamente na força da verdade, da justiça, do bem e do amor, especialmente agora, é não apenas necessário, mas indispensável.

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Vasco Arruda

Psicólogo, professor de História das Religiões e Psicologia da Religião.

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