Jonathan Demme não tinha um desses nomes chamariz. Não era um Steven Spielberg, garantia de milhões, ou um Brian de Palma, garantia de qualidade. Dentre tantos grandes nomes surgidos na Hollywood da década de 1970, Demme era um dos discretos, esnobados. Tal qual Sidney Lumet, existia uma pecha em se esquecer da qualidade do norte-americano apesar da filmografia robusta e, diga-se, essencial. De 1944 a 26 de abril de 2017, Jonathan Demme marcou e merece ser reconhecido por seus feitos cinematográficos em todos os próximos séculos de cinefilia.

Uma das maiores justiças cinematográficas da história se chama “O Silêncio dos Inocentes” (1991). Com um orçamento de menos de US$ 20 milhões, o thriller de Jonathan Demme ultrapassou a marca de US$ 270 milhões arrecadados no mundo – um feito para um filme de horror fora de franquias slasher Mais que isso, o suspense foi o terceiro na História a conquistar o “Big Five” no Oscar. Melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro (adaptado), melhor atriz e melhor ator. O feito só havia sido conquistado por “Aconteceu Naquela Noite” (1934), de Frank Capra, e “Um Estranho no Ninho” (1975), de Milos Forman – e que até hoje não foi repetido.

Demme e Anthony Hopkins no set de “O Silêncio dos Inocentes”

Mais do que o reconhecimento, a justiça de “O Silêncio dos Inocentes” foi jogar luz sob a carreira de alguém como Demme. Como o site Indiewire lembrou, certo dia perguntaram para Paul Thomas Anderson (“Sangue Negro”, “Magnólia”) quais os três diretores mais influentes de sua carreira. “Jonathan Demme, Jonathan Demme, Jonathan Demme”, respondeu. Uma carreira que começou em 1974 com o autoral “Celas em Chamas”, atingiu o ápice em 1991, culminando ainda em obras como “Filadélfia” (1994) e indo até 2008, com “O Casamento de Rachel”. Depois disso, seguiu influenciando, dirigindo episódios de séries para a TV (“Enlightened”, “The Killing”), videoclipes etc. E aumentando a saudade do público de suas obras.

O talento de Demme se mede em seu magnum opus, sua obra máxima, “O Silêncio dos Inocentes”. Ali, ele, junto a Anthony Hopkins, criou um vilão delicioso, protagonista do filme, com menos de 15 minutos em tela. O casting genial seguiu ainda com a forte, destemida, palpável Clarice Starling (Jodie Foster), das melhores protagonistas de horror na história. A adaptação do romance de Thomas Harris é exemplo perfeito de tensão e encadeamento de informações. Demme sabe o que esconder e quando fazer as revelações, o que faz com que os personagens cresçam de formas diferentes até um ápice em que três forças se encontram (Starling, Lecter e o serial killer Buffalo Bill). Até hoje, “O Silêncio dos Inocentes” é considerada a primeira e única obra de horror a vencer o principal Oscar. Para se ter ideia, “Psicose” (1960), “O Bebê de Rosemary” (1968), “Alien – O Oitavo Passageiro” (1979) e “O Iluminado” (1980) não conseguiram nem mesmo uma indicação.

Jonathan Demme no Oscar de 1992

Se a arte é, em perspectiva, um sacrifício em nome da imortalidade, Jonathan Demme nos deixa com muito. Por isso e por muito mais, obrigado por tudo.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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