Ao longo da história, muitos músicos brasileiros contribuíram para que fosse dado ao violão a dignidade que ele merece. Até então ligado à boemia, Chiquinha Gonzaga forçou a entrada do instrumento nos grandes teatros e até criou uma orquestra de violonistas. Raphael Rabello e Heraldo do Monte levaram a brasilidade das seis cordas para os amantes do jazz em todo o mundo. João Gilberto apostou na economia e criou a Bossa Nova. Outros fizeram seresta, samba e chorinho. Nessa salada de influências, um carioca nascido na pequena Varre-Sai também deu sua contribuição.

 

Batizado com o nome do criador do escotismo, Baden Powell de Aquino ainda bem pequeno, começou a dedilhar o violão incentivado pela musicalidade que absorvia dentro de casa. Seu primeiro contato aconteceu quando roubou o instrumento do quarto da tia para tentar desvendar o que era aquilo objeto. Foi o suficiente para que seu pai, músico amador, começasse a ensinar as primeiras notas. Ágil e compenetrado, o aluno foi adotando um estilo que transitava levemente entre o erudito e o popular.

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Compositor de clássicos e músico requisitado por grandes estrelas, Baden Powell viajou o mundo em gravações e apresentações internacionais. Uma delas volta agora em DVD lançado pela Coqueiro Verde. Batizado simplesmente de Tristeza, o pacote com CD e DVD traz uma apresentação de 1970 gravada em Säarbrucken, na Alemanha. Em pouco menos de 30 minutos, Baden e um trio formado por Helio Schiavo (bateria), Ernesto Gonçalves (baixo) e Alfredo Bessa (percussão) interpretam nove temas, a maioria de nomes da Bossa Nova.

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Mesmo sem nunca ter sido um autêntico bossanovista, Baden construiu sua obra mais célebre ao lado de Vinicius de Moraes, um dos símbolos do movimento. Os afro-sambas, como ficaram conhecidos, fizeram o cruzamento do samba carioca com o som dos terreiros de candomblé. Foram quase três meses com o jovem violonista trancado num apartamento com o poeta diplomata somente compondo e bebendo whisky. Em Tristeza, os afro-sambas são representados por Tristeza e Solidão e Berimbau, esta creditada inexplicavelmente como “Ferro de passar”. Também imperdoável é a marca da gravadora no canto da tela durante toda a apresentação.

Apesar desses escorregões, a obra de Baden Powell se sobrepõe. Com o rosto sóbrio e um cigarro entre o anelar e o mínimo, ele desliza os dedos sobre as cordas num arranjo soberbo para Manhã de Carnaval. Garota de Ipanema ganha um balançado diferente, mais dançante, resultado dos seus anos tocando com a banda de Ed Lincoln. Já a tristonha Tristeza e solidão, outro afro-samba, tem a participação de uma esquecida Dulce Nunes, atriz que se lançou cantora ao lado do violonista.

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Dentro e fora do Brasil, grandes artistas reverenciaram a importância de Baden Powell. Seus discos passam por Paris, Berlin, Hamburgo e Frankfurt. Por aqui, perto de falecer em 26 de setembro de 2000, ele já não tocava seus afro-sambas. Convertido à religião evangélica, ele evitava citar os símbolos do candomblé. Preferia excursionar com os filhos músicos, Phillip e Marcel Powell tocando outras coisas. Ainda assim, mesmo contra a vontade do músico, seus afro-sambas continuam sendo um capítulo fundamental da história do violão brasileiro.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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