teletemaNo finzinho da década de 1990, Nana Caymmi tomou um susto grande enquanto descansava em sua rede. Na frente da TV para assistir o primeiro capítulo da novela Suave veneno, ela se surpreendeu ao ouvir a própria voz no tema de abertura. A sensualíssima Suave veneno veio na cola de Resposta ao tempo, outro bolero da lavra de Cristovão Bastos e Aldir Blanc, que, no ano anterior, fora o tema de maior sucesso da minissérie Hilda Furacão. As duas canções em alta rotação no horário nobre da Rede Globo renovaram a atenção para a voz rara da carioca de alma baiana, que agora tinha de incluir, de uma vez por todas, mais estas duas no seu repertório.

Mesmo sendo uma cantora de fama e prestígio, a alegria de Nana Caymmi tem uma explicação simples: ter música em trilha de novela sempre foi um bom negócio. Isso é o que mostra o livro Teletema, lançado em 2014 pela Editora Dash. Neste primeiro volume da pesquisa, os autores Guilherme Bryan e Vincent Villari passeiam pelas trilhas lançadas entre 1964 e 1989, período entre as novelas A deusa vencida (TV Excelsior) e Pacto de sangue (TV Globo). Até agora, o trabalho tomou mais de 10 anos dos pesquisadores (um segundo volume está prometido para daqui a dois ou três anos), que realizaram cerca de 140 entrevistas com “hitmakers noveleiros”, como Djavan e Ivan Lins, produtores, cantores e até o esquecido Salatiel Coelho, primeiro sonoplasta da teledramaturgia e o “criador” das trilhas musicais.

Teletema rendeu 500 páginas de histórias ilustradas com mais de 300 capas e imagens. Para acompanhar tudo isso, agora a Som Livre lançou o disco Teletema, que reúne 17 faixas que marcaram diferentes épocas das novelas brasileiras. Historicamente, as trilhas internacionais venderam mais que as nacionais. No entanto, para a “trilha sonora do livro” só foram escolhidos nomes brasileiros. E, melhor, cada faixa vem acompanhada de um pequeno texto com curiosidades e bastidores. Uma dessas histórias lembra que, em 1973, recém chegado ao Rio de Janeiro, um rapazinho das Alagoas foi contratado pela Som Livre para interpretar temas de novelas. Seu nome, Djavan.

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O futuro autor de Flor de lis teve sua primeira gravação no disco da novela Os ossos do barão (1973), o sambinha Qual é?. No entanto, para a coletânea foi escolhida a parceria de Dori Caymmi e Jorge Amado Alegre menina, escalada para a trilha de Gabriela (1975). A canção virou um sucesso inicial de Djavan, que, só no ano seguinte, lançaria seu disco de estreia. Pelo menos mais um clássico entrou para a história da menina “com cheiro de cravo e cor de canela”, a canção tema Modinha para Gabriela, interpretada por Gal Costa. No entanto, no disco Teletema, a baiana chega defendendo Brasil, tema de Vale Tudo (1988). Gravada a pedido do autor Gilberto Braga, o rock samba de Cazuza nunca entrou para a discografia oficial de Gal, mas ficaria conhecida como a mais politizada abertura da história, bem no clima da própria novela.

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Considerada por Guilherme Bryan como “a melhor trilha da melhor novela”, Roque Santeiro é lembrada na belíssima De volta pro aconchego. “Ela entrou na novela e se tornou a música mais importante da minha carreira. Não tem lugar que eu chegue, até hoje, que as pessoas não falem de canção”, comenta Elba Ramalho, intérprete da canção de Dominguinhos e Nando Cordel, no encarte. O sucesso da trama de Dias Gomes e Aguinaldo Silva foi acompanhado pela trilha: 13 das 24 canções lançadas nos dois LPs da novela ficaram entre as 100 mais tocadas de 1985. Presente nessa lista, Elba conta que chorou de emoção quando viu a cena em que Roque, interpretado por José Wilker, volta para Asa Branca embalado pela sua música.

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As outras canções incluídas em Teletema também guardam histórias curiosas. É o caso da própria “Teletema”, parceria de Antônio Adolfo e Tibério Gaspar incluída na primeira trilha comercializada em LP, a da novela Véu de noiva (1969). Inspirada num trágico acidente de carro que vitimou a namorada de Gaspar, a canção acabou inaugurando uma das maiores vitrines para artistas novos e consagrados. Mesmo com as mudanças do mercado e na relação do ouvinte com a música, estar na trilha de uma novela, ainda hoje, é um bom negócio.

+ Curiosidades:

> Beto Rockfeller (TV Tupi, 1969) virou um marco brasileiro por apresentar uma história próxima da realidade nacional. O sucesso foi tanto que, quatro anos depois a Globo lançou A volta de Beto Rockfeller, cuja trilha trazia a trilíngue Jazz potatoes, de Jorge Ben. Apesar da letra sem muito sentido, o samba jazz virou sucesso.

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> Giberto Braga pediu a Elis Regina para gravar uma versão de Paulo Coelho para o bolero de Armando Manzanero, para que fosse incluída na trilha de Brilhante (1981). Assim, Me deixas louca acabou sendo a última gravação da gaúcha, que morreu em janeiro de 1982, dois meses antes do fim da novela.

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> Guto Graça Melo acatou a sugestão do seu assistente Luiz Maurício para que incluísse Menino do rio na Trilha de Água viva (1980). Futuramente, Luiz Maurício ficaria conhecido como Lulu Santos e a canção de Caetano Veloso viraria um dos grandes hits da “nova baiana” Baby Consuelo. Tempos depois, convertida para a religião evangélica, Baby substituiu o verso “dragão tatuado no braço” por “Jesus forever tatuado no braço”.

 

> Convocado às pressas por Guto Graça Melo, Paulinho da Viola teve apenas um dia para compor a trilha de Pecado capital (1975). Era a primeira vez que um samba iria para a abertura de uma novela, mas o compositor nem teve tempo de pensar num título e a música ficou “Pecado capital” mesmo. O mesmo aconteceria em Dancin’ days (1978), que também seria o nome da canção que apresentaria as Frenéticas para o Brasil inteiro.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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