Por Camila Holanda (camilaholanda@opovo.com.br)

A censura da Ditadura Militar brasileira tirou de cena a produção da banda Ave Sangria, em meados da década de 1970. A música Seu Waldir, conta por telefone o vocalista e letrista do grupo, Marco Polo, foi o estopim para que os músicos se separassem. À época, criou-se a lenda de que Marco teria composto a música para um homem, dono de um bar em Olinda, com quem teria tido um relacionamento. Tudo invenção dele, que cantava: “Eu trago dentro do peito/Um coração apaixonado/Batendo pelo senhor/O senhor tem que dar um jeito/Se não eu vou cometer um suicídio/Nos dentes de um ofídio vou morrer”.

“A gente não sabe exatamente o que aconteceu, mas havia um jornalista que tinha um programa de televisão que tocou essa música”, conta. “Dizem que a mulher de um general assistiu ao programa, ficou ‘pê da vida’ e pediu para ele tomar uma providência. O disco foi proibido e recolhido das lojas. Isto praticamente encerrou nossa carreira”, narra Marco. Depois de 40 anos, em 2014, alguns dos integrantes do Ave Sangria se reuniram novamente e anunciaram retorno aos palcos, seguido do relançamento do disco (de 1974) e ainda um novo CD, chamado Perfumes y Barachos, com o registro do último show com a formação original da banda, no Teatro de Santa Isabel, em Recife.

Com o mesmo repertório que consagrou o grupo no movimento udigrudi e algumas inéditas, o Ave Sangria desembarca em Fortaleza neste sábado, 6, para show gratuito no Anfiteatro do Centro Dragão do Mar. E Seu Waldir estará no repertório. “Na primeira vez que eu cantei, teve amigo que deixou de falar comigo. Eu queria mesmo provocar os machistas”, revela. A apresentação faz parte do primeiro fim de semana do projeto Férias no Dragão 2018, que vai se espalhar pelo equipamento cultural durante todo o mês de janeiro. O show do Ave Sangria será uma das atrações da festa chamada Noite Psicodelia do Sertão, que terá ainda o grupo de Sobral Trovador Eletrônico (tributo a Belchior) e o cratense Abidoral Jamacaru.

Ave Sangria já não conta mais com Ivinho (guitarra), Israel Semente Proibida (bateria) e Agrício Noya (percussão), que estavam no disco de 1974, mas é um encontro de gerações. Da formação original, estão Marco Polo, Almir de Oliveira (violão e voz) e Paulo Rafael (viola e guitarra). Hoje, eles dividem a musicalidade com os jovens Juliano Holanda (baixo), Junior do Jarro (bateria) e Gilú Amaral (percussão).

Junto, o grupo dá continuidade ao trabalho que não chegou a estourar no País, por ter sido um projeto forçadamente abortado um mês após o lançamento. A banda original vivia em época rachada entre a contracultura e a Ditadura Militar. “Éramos jovens com cabelos compridos, o que era algo pouco comum. Fomos presos só por causa do cabelo. A população, principalmente, os homens, olhava para a gente de forma agressiva, gritava para a gente na rua. Para os shows, a gente tinha de levar todas as músicas para os censores ouvirem antes”, recorda.

A fertilidade da psicodelia nordestina da década de 1970 foi um capítulo importante na discografia brasileira, ao mesmo tempo em que foi um movimento bastante underground. Alceu Valença, Marconi Notaro, Geraldo Azevedo, Lula Côrtes, Robertinho do Recife, Flaviola e o Bando do Sol, e Zé Ramalho são alguns dos representantes deste movimento, batizado de udigrudi. Quando o Ave Sangria foi censurado e impedido de vender discos, alguns dos músicos, inclusive, começaram a migrar para outras bandas, como a de Alceu (com quem Paulo Rafael toca ainda hoje).

Redescoberta e ícone musical
Ave Sangria se desmantelou ainda na década de 1970, mas foi resgatado graças aos canais de streaming da internet, por um público bastante jovem, sendo transformado em ícone musical por volta do ano de 2008. “Nos shows, sempre tem uma parte grande do público mais antigo, mas mais da metade do público é de gente jovem. Foi graças à internet que a banda foi redescoberta e foi por isto que nós retornamos, porque a gente descobriu que tinha um público”, celebra Marco.

Além disto, a banda tem um trabalho que não é datado, com letras críticas e enigmáticas, outras mais pesadas, sempre permeadas por arranjos psicodélicos entranhados com ícones da música nordestina, como o triângulo. O sotaque pernambucano de Marco Polo também conduz a musicalidade de uma forma única. E é com este mesmo sotaque que ele manda recado para quem irá assistir ao show desta sexta: “Prepara-se, que seu coração vai sangrar”.

Serviço
Noite Psicodelia do Sertão
Quando: sábado, dia 6, a partir de 19 horas
Onde: Anfiteatro do Dragão do Mar (rua Dragão do Mar, 85)
Gratuito, com retirada de ingressos duas horas antes, na bilheteria do Anfiteatro

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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