Foto: Caroline Bittencourt

Se sabe ser doce na hora de pedir um pouco mais de cuidado, Ana Cañas também sabe ser forte na hora brigar quando algo a incomoda. Violência contra a mulher, preconceito, operação Lava-Jato, golpe… Esses e outros assuntos vão estar presentes no palco na Caixa Cultural, no show Tô na Vida, que a cantora e compositora paulistana traz a Fortaleza neste fim de semana. Acompanhada de Fábio Sá (contrabaixo), André Lima (teclados) e Thiago Barromeu (guitarra/ violão), Ana faz um apanhado de mais de 10 anos de carreira, dando destaque ao disco lançado em 2015, e que batiza a turnê cearense. Abaixo, Ana fala, por email, sobre o doce e o amargo do seu momento.

O POVO – Já tem cerca de três anos que você vem apresentando esse show Tô Na Vida, mas só agora ele chega a Fortaleza. O que esse mudou com esse tempo de estrada?
Ana Cañas – A estrada sempre nos transforma. E eu adoro isso. Ela reflete o que acontece com o País, com a vida das pessoas. A gente vai modificando os arranjos, as músicas do repertório, as falas e os diálogos do show. Também aprendemos mais sobre o próprio trabalho, com profundidade e de maneira vertical.

O POVO – No show em Fortaleza você vai incluir uma faixa – Velha Roupa Colorida – de Belchior. Esse é um presente para Fortaleza ou você já vem cantando essa música?
Ana – Eu amo o Belchior! Acho que ele captura a loucura, o amor rasgado, a sarjeta, a sublime poesia da vida real como ninguém. Ele me toca de maneira ímpar e cantá-lo, sem dúvida, é sempre uma catarse muito grande. Essa canção faz parte, especialmente, dessa turnê de encerramento do Tô Na Vida e cantá-la em Fortaleza será muito, muito emocionante.

O POVO – Em que esse show muda no trabalho em relação ao anterior?
Ana – Tem algumas músicas que nunca cantei antes, como Tigresa e Perigosa, além do Belchior. Também fazem parte do repertório músicas do disco que não fizeram parte da turnê até esse momento, como Bandido, Existe e Amor e Dor.

O POVO – No seu show anterior você mesclou diversas influências de jazz, rock e música brasileira. E ainda contou com a direção de Ney Matogrosso. Como foi essa experiência?
Ana – Foi maravilhoso, um grande aprendizado. Ney é um artista único, plural, eclético, destemido, talentosíssimo. Hoje somos amigos. Ele é um ser humano muito generoso, foi uma honra imensa ser dirigida por ele. Aprendi muito.

O POVO – Numa entrevista para a RBA, você comentou que a sigla MPB havia “caducado”. Sendo os rótulos sempre limitadores e a MPB tão abrangente, o que fez essa sigla perder força, ficar ultrapassada? Você não seria MPB também?
Ana – Acho que a sigla MPB fez sentido num período onde havia uma gama de compositores homens (principalmente) tocando violões de nylon – filhos da Bossa Nova e da Tropicália – nos anos 1970 e 80. A minha geração abraça uma diversidade muito mais ampla de referências, fontes, timbres, instrumentos, e faz parte dela – inclusive de um grupo expressivo de cantoras e compositoras mulheres. É radicalmente diferente e acredito, pessoalmente, que a sigla não abarque mais essa amplitude contemporânea e tão diversa dessa cena atual.

O POVO – Um assunto que vem cada vez mais presente no teu trabalho são as discussões em torno da figura da mulher. De que forma você acha que a sociedade vem reagindo em relação a esse tema? Em que ponto nós mais avançamos e onde ainda estamos mais atrasados?
Ana – No Brasil, a cada 11 minutos, uma mulher é violentada, estuprada (casos denunciados). É uma realidade muito triste e dura para as todas mulheres – vítimas ou não. Nós precisamos reverter esse quadro e isso só acontecerá através da nossa luta, da conscientização e da imposição do respeito. Estamos vivendo uma primavera feminista, onde as mulheres têm se conscientizado da sua força e do papel decisivo no protagonismo de sua própria luta e conquistas. A cultura do patriarcado, misógina, sexista e machista precisa ruir de vez. Igualdade de direitos, salários, oportunidades e ocupar espaços de decisão e poder são mudanças fundamentais que precisam ser conquistadas.

O POVO – Você também vem apoiando abertamente o ex-presidente Lula. Você sofreu algum tipo de crítica ou represália por conta de se posicionar politicamente?
Ana – Como a Nina Simone já dizia: “Como ser artista e não refletir o seu tempo?” Eu escolhi apoiar um ser humano que acredito e admiro. Um presidente que tirou o País da miséria, que alavancou a economia, deu oportunidade a 8 milhões de universitários, entre muitos outros grandes feitos. Um ser humano que governou para quem mais precisava – e não para a elite do dinheiro. Escolhi defender a democracia até as últimas consequências, que hoje, fragilizada, enfrenta um golpe orquestrado pelo judiciário, por um congresso comprado e uma Lava-Jato totalmente arbitrária. Escolhi apoiar um réu condenado sem provas. Escolhi combater um processo de militarização que já vimos antes, em 1964 e 1968, e que agora, pouco a pouco, se instala novamente. Enquanto houver esperança, lutarei, pois ela – a luta – realmente traz mudanças. Por um país livre, igualitário, sem fome e verdadeiramente democrático.

O POVO – O que achou da experiência como atriz, no filme Amores Urbanos? Deu vontade de fazer mais filmes?
Ana – Achei muito interessante, apesar das minhas limitações como atriz. O filme traz um debate muito importante e fazer parte dele foi enriquecedor.

O POVO – No release que nós recebemos sobre o show, diz que você já está trabalhando num novo álbum para o segundo semestre. O que você pode adiantar desse trabalho?
Ana – Gentêêê, quase nada. Eu ainda sei pouco sobre ele, tenho algumas ideias, mas nada concreto. Devo gravar um dueto com a minha amiga querida Maria Gadú.

O POVO – Na música A Ana, você diz que “A Ana é azeda, mas é doce quando é doce”. O que te faz ficar azeda e o que te faz ficar doce?
Ana – O amor nos faz doce e a luta nos faz fortes.

Serviço:
Show Ana Cañas – Tô Na Vida
Quando: sexta, 16, e sábado, 17, às 20h, e domingo, 18, às 19h
Onde: Caixa Cultural (av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia)
Telefone: 3453 2770

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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