Caros amigos,

Ao lado de minha mãe, dona Therezinha, recebo o título de Cidadão Cearense das mãos de Adhail Barreto. Foto de Marcos Campos

Recebi na noite de ontem (10/10/2011) o título de Cidadão Cearense, proposto na legislatura passada pelo então deputado Adhail Barreto. Tornar-me cearense de direito foi uma das coisas que mais me emocionaram nestes 30 anos em que moro em Fortaleza.

Agradeço especialmente a todos os que compareceram, aos que me mandaram mensagens via Twitter, pelo telefone ou e-mail.

Segue um trecho do meu discurso na Assembleia e, mais abaixo, o texto completo.

“Certa vez entrevistei o ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito. Perguntei-lhe se o fato de um ministro do mais importante tribunal do país chegar ao cargo por indicação do presidente da República, depois de intensas articulações políticas de bastidores, não lhe tolhia a independência, não o deixava devedor de favores. Ele respondeu que era muito agradecido ao presidente Lula, que o nomeara, e a todos os que o ajudaram a chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas que ele não podia pagar-lhes com a toga, rebaixando a sua condição de julgador.

“A mesma coisa eu preciso dizer para aqueles a quem sou agradecido; a mesma coisa sabem aqueles que são meus verdadeiros amigos: eu não posso pagar com a pena, com aquilo que eu escrevo, os meus débitos de simpatia ou de agradecimento. Eu não posso mercadejar, por favores ou amizade, com aquilo que eu publico, pois me tornaria indigno dessas mesmas amizades e da minha própria profissão.”

Outras duas postagens sobre o assunto, aqui e aqui. Segue o discurso completo.

Discurso completo.

Cidadão Cearense

Quero começar fazendo um agradecimento muito especial a Adhail Barreto, secretário Regional da Prefeitura de Maracanaú, que apresentou a proposta de me conceder o título de Cidadão Cearense, quando ele era deputado, na legislatura anterior. O fato tem significado especial para mim, pois nós – eu e o secretário Adhail Barreto – não temos nenhuma relação de proximidade, à exceção daquela ditada pelas nossas respectivas atividades profissionais. Todos os nossos encontros, até hoje, ocorreram nesta condição.

Eu reconheço: sempre tive vontade de ter o título de Cidadão Cearense, para confirmar uma situação de fato, que vivo há 30 anos.Mas isso não é coisa que se peça a alguém. E eu, nunca, nem ao menos sugeri, a quem quer que fosse, a apresentação dessa proposta.

Portanto, quando Adhail Barreto telefonou-me, no ano passado, informando que acabara de ser votado o título que me concedia a cidadania cearense, eu lhe agradeci, sinceramente emocionado. E ele me respondeu que tinha feito a proposta por ver méritos no meu trabalho de jornalista: “Se não fosse assim, eu não faria” – ele respondeu.

Eu não tenho porque duvidar disso, pois nos vários encontros que tivemos, o tratamento que eu dava a ele era o mesmo que eu dou a todos os políticos e outras pessoas com as quais me relaciono profissionalmente: um tratamento cordial, mas sem fugir do critério que exige a relação entre jornalista e a sua fonte de informação. Ao mesmo tempo em que agradeço especialmente a Adhail Barreto, estendo esses agradecimentos à Assembléia Legislativa e a todos os deputados, que aprovaram a propositura por unanimidade.

É certo que, no decorrer da vida você acaba por fazer amizades com pessoas que, eventualmente, assumem algum cargo importante na vida pública, como é o caso de várias pessoas que estão aqui hoje. Mas, se eles são meus amigos, é porque sabem que eu nunca transijo com as idéias – e muitas vezes, já nos confrontamos no campo do debate. Eles sabem que a minha condição de jornalista impõe obrigações que estão acima, até, da profunda amizade ou agradecimento que eu possa ter por alguém ou por alguma instituição.

Certa vez entrevistei o ministro do Supremo Tribunal Federal, Carlos Ayres Brito. Perguntei-lhe se o fato de um ministro do mais importante tribunal do país chegar ao cargo por indicação do presidente da República, depois de intensas articulações políticas de bastidores, não lhe tolhia a independência, não o deixava devedor de favores. Ele respondeu que era muito agradecido ao presidente Lula, que o nomeara, e a todos os que o ajudaram a chegar ao Supremo Tribunal Federal, mas que ele não podia pagar-lhes com a toga, rebaixando a sua condição de julgador.

A mesma coisa eu preciso dizer para aqueles a quem sou agradecido; a mesma coisa sabem aqueles que são meus verdadeiros amigos: eu não posso pagar com a pena, com aquilo que eu escrevo, os meus débitos de simpatia ou de agradecimento. Eu não posso mercadejar, por favores ou amizade, com aquilo que eu publico, pois me tornaria indigno dessas mesmas amizades e da minha própria profissão.

O jornalismo é uma das mais belas profissões do mundo, pois cabe ao jornalista levar conhecimento às pessoas. É a partir da informação que cada um pode avaliar com mais pertinência o que acontece na sua cidade, no seu estado, no seu país e em lugares mais distantes. E é a partir desse conhecimento que as pessoas podem se situar com mais precisão no mundo e, a partir daí, decidir o que é melhor para elas e para a sociedade.

O jornalismo é um dos pilares da democracia, está em sua essência. Um não vive sem o outro: onde falta liberdade não há verdadeiro jornalismo; onde falta jornalismo independente é porque não há liberdade. E se faltar a liberdade, é porque se impôs a ditadura, onde não há direitos e nem cidadania.

Eu acredito, como disse Cláudio Abramo, um dos mais importantes jornalistas brasileiros: “O jornalismo é o exercício diário da inteligência e a prática cotidiana do caráter”. E eu acrescento, como já escrevi uma vez: pensar com independência é a obrigação número um de qualquer jornalista que queira honrar a sua profissão.

Por isso, eu creio, sinceramente, que a melhor forma de um jornalista pagar uma amizade, saldar seus agradecimentos, é respeitar a ética e os princípios do Jornalismo, cuja meta é o interesse público. E, felizmente, eu trabalho em uma empresa em que essa independência de que necessita o jornalista pode ser exercida em sua plenitude.

No O POVO se pode fazer um jornalismo isento e crítico; crítica da qual não escapam nem os jornalistas da Casa e nem a instituição, seja em contato direto com aqueles que nos leem, ou por meio do Conselho de Leitores ou pelos comentários do ombudsman. E eu posso lhes dizer até que ponto esses princípios são respeitados. Quando eu fui convidado pela presidente Luciana Dummar para assumir um cargo na direção do Grupo de Comunicação O POVO, disse-lhe que tinha por hábito expor aquilo que eu pensava. Ela me respondeu que esse era um dos motivos do convite que me fazia. Lembrei a ela que escrevia um blog, uma das formas mais pessoais de fazer jornalismo. Perguntei-lhe se devia suspender a publicação do blog e dos artigos no jornal. A resposta foi que eu continuasse a fazer o que estava fazendo, que continuasse a escrever, sem nenhuma restrição. Mais recentemente, escrevi um artigo crítico à Associação Nacional dos Jornais, a ANJ. O jornal O POVO é um dos fundadores da ANJ e a Luciana é sua vice-presidente. No artigo considerei insuficiente o modo como a associação empresarial estava propondo a autorregulamentação dos jornais. Não ouvi objeção.

O comportamento e as palavras da presidente Luciana foram parecidas com as palavras do pai dela, Demócrito Dummar, quando ele me convidou para exercer a função de ombudsman, cargo no qual fiquei por três anos. Portanto, o exercício da crítica e os demais valores que estão na essência do bom jornalismo, fazem parte da tradição do O POVO. A propósito, nem sei se sou uma pessoa talhada para ocupar um cargo direção, pois eu sou, essencialmente, um jornalista – e uma das funções do jornalista e do jornalismo é incomodar o poder.

No mais meus amigos,

Posso dizer também que estou entre os primeiros que, vindos de outros lugares, têm real e profunda identificação com o Ceará.
E que me orgulho em me apresentar como alguém de uma terra de gente lutadora; de gente como Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, e de outros libertários que nos legaram o honroso título de Terra da Luz. Tenho orgulho de dizer que sou de uma terra de mulheres valentes, como foi Bárbara de Alencar – que confrontou o poder do Império -; que venho da terra do Padre Mororó, o primeiro jornalista do Ceará, fuzilado no Passeio Público, o antigo Campo da Pólvora, por sustentar suas ideias subversivas e republicanas da Confederação do Equador. De uma terra de jornalistas que enfrentaram o arbítrio com coragem e de peito aberto, como João Brígido, Jáder de Carvalho e Demócrito Rocha.

Portanto, se o merecimento pode não ser tanto, o amor e a identificação que eu tenho pelo Ceará, me habilitam a receber este título.

Para vocês verem a importância que este evento tem para mim. Toda a minha família, que viajou mais de três mil quilômetros, do interior de São Paulo e de Mato Grosso do Sul, está aqui. Estão o meu irmão Plínio Paulo, o meu irmão, Plínio Carlos e a minha irmã, Maria Teresa, junto com meus sobrinhos, a quem abraço. Muito especialmente quero falar da minha mãe, dona Therezinha, que, com seus 80 anos, fez questão de estar presente. Eu não poderia receber presente melhor. Queria lembrar meu pai, que se fosse vivo, também estaria aqui e seria um dos mais animados. Da minha mãe eu posso dizer que foi ela quem me iniciou no mundo das letras, pois foi ela quem me alfabetizou, mesmo sendo uma mulher que estudou somente até o quarto ano primário.

Deixei para a conclusão, para ficar marcado: quero dar um beijo muito grande na Swian, minha companheira, responsável por eu ter abraçado integralmente a profissão de jornalista. Poucas pessoas sabem que, até 40 anos de idade eu era funcionário da Caixa Econômica Federal, tinha um emprego estável, mas resolvi sair para me aventurar por completo na profissão de jornalista. Se não fosse o incentivo e a segurança da Swin, tudo teria sido mais difícil, ou impossível. Quero dar um beijo muito grande na minha filha Nadja, advogada, que, no Cedeca, dedica a sua juventude e a sua inteligência para defender os mais frágeis entre os mais frágeis, que são as crianças. Quero dar um beijo bem grande na minha filha Bruna, estudante de Arquitetura, pelo seu carinho e pelos seus questionamentos, que são um desafio permanente.

E, somente mais uma coisa:

Pessoas de mais merecimento do que eu devem ter recebido o título de Cidadão Cearense. Mas eu posso assegurar que ninguém, mas ninguém mesmo, deve ter mais ficado feliz do que eu por recebê-lo. Muito agradecido mesmo, de coração, a todos vocês.

[Fortaleza, 10/10/2011]

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