Na semana passada recebi no O POVO a comissão organizadora que prepara a Semana Dom Hélder Câmara, para homenagear o bispo, nascido em Fortaleza, cujo centenário de nascimento ocorre este ano. Dom Hélder nasceu em 7/2/2009 e morreu em Recife, em 27/8/1999.
Como se sabe, Dom Hélder foi um dos mais importantes bispos da Igreja Católica, tendo participado da vida religiosa, social e política do país desde a década de 1930 até a sua morte. Foi voz ativa na defesa dos direitos humanos durante o período da ditadura militar.
Mas a introdução é para dizer o seguinte. Da Comissão que prepara as homenagens a Dom Hélder, ganhei dois livros escritos por Dom Clemente Isnard, que será um dos palestrantes do evento. Dom Clemente, um beneditino de 92 anos, é bispo emérito (aposentado) de Nova Friburgo (RJ).
O primeiro deles é Reflexões de um bispo [editora Olho d’Água, S. Paulo], brochura de apenas 40 páginas, mas cada capítulo é um torpedo na hierarquia e em algumas normas da Igreja Católica. Não é incomum ouvir-se críticas de leigos ou mesmo de padres considerados de “esquerda”, mas é raro um homem que ocupou um alto posto na hierarquia católica tratar de tais temas de maneira tão desassombrada.
Por isso, o livreto não pôde ser editador pela editora Paulus e Dom Clemente recebeu conselhos do abade de seu mosteiro dizendo-lhe que a publicação iria lhe trazer “muitos sofrimentos e até respingos sobre ele [o abade] e o mosteiro”.
Mas Dom Clemente diz que, caso recuasse em expor as suas idéias, estaria traindo a sua vocação.
As propostas
Nas “Reflexões”, Dom Clemente defende a participação da comunidade na escolha dos bispos, ouvindo-se “representantes qualificados do povo”. Ele lembra que a participação popular “foi o critério do primeiro milênio” e que “os resultados não foram maus”.
Quanto ao celibato sacerdotal impositivo, Dom Clemente põe-se firmemente contra, afirmando que a “tradição da Igreja Primitiva é a do casamento dos bispos e presbíteros”. E fala que São Pedro “era casado, quer dizer, ele tinha uma sogra que foi curada de febre pelo Cristo. Ora, se ele tinha sobra tinha também mulher”.
Ele também anota: “Em Igreja orientais católicas os padres podem casar. Por que não na Igreja latina?”
Mas talvez o ponto mais polêmico defendido por Dom Clemente seja a ordenação de mulheres para que elas exerçam o sacerdócio.
O bispo apela para São Paulo, na Epístola aos Gálatas, para reforçar seu argumento: “Quem foi batizado em Cristo, revestiu-se de Cristo. Não é judeu nem grego; não é servo nem livre; não é macho nem fêmea. Todos vós sois um em Cristo”.
Ele diz que as “palavras de São Paulo são muito fortes”, sendo “um poderoso argumento bíblico em favor da ordenação de mulheres”.
Padre embrulhado em papel de presente
No outro livro, este mais encorpado, com 100 páginas, A experiência ensina o bispo [Comunigraf Editora, Recife], dom Clemente detém-se mais sobre a estrutura da Igreja, propondo “restituir à Igreja o esplendor das origens”. Ele cita, por diversas vezes – e busca reforço de argumentos – em um livro/entrevista de Dom Aloísio Lorscheider: “Mantenham as lâmpadas acesas” [edições UFC].
Dom Clemente faz uma crítica acerba à hierarquia e à forma de organização da Igreja Católica.
Propõe mudanças da forma de eleger o papa, sugerindo que, em vez do colégio cardinalício, os votantes sejam os presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo.
Guarda Suíça e escolas de samba
Pede a extinção da figura dos “bispos auxiliares” e dos títulos honoríficos, entre outros, o de monsenhor, que ele diz que não representa “nada”, apenas “padre embrulhado em papel de presente”.
Critica “o medo e o carreirismo” dos religiosos. “O carreirismo é um dos graves pecados cometidos na Igreja de Deus”, que “acompanha todas as gerações da Igreja”, mas que “foi combatido pelo Cristo em pessoa”. Anota, ao lembrar uma passagem bíblica em que Jesus rebarba o pedido da mãe de Tiago e João para conceder-lhes “os primeiros lugares no Reino de Deus”. Cristo diz à suplicante que o negócio não era como Ele, mas com “o Pai”.
dom Clemente ataca o luxo de certos paramentos e a pompa da Igreja; ironiza a Guarda Suíça do Vaticano, ao propor a sua extinção. “A Guarda Suíça, com seus uniformes desenhados por Miguel Ângelo, é um espetáculo bonito que atrai os turistas, como as Escolas de Samba atraem a atenção dos turistas no Rio de Janeiro”.
Em um dos capítulos mais chocantes, o bispo fala da situação dos padres seculares (ou diocesanos), aqueles que não pertencem às ordens ou congregações religiosas. Destes, as ordens cuidam materialmente até o fim de seus dias.
Já os padres diocesanos dependem da ocupação em um paróquia para viver. Quanto se aposentam, a situação piora, pois não há quem cuide deles. Dom Clemente diz que há “tristes narrativas” para “encher livros” de padres que passam até fome por não terem outra fonte de sobrevivência.
Ele pergunta: “O que pode fazer um padre que não cobrou espórtula acima da tabela, não vendeu objetos antigos da paróquia, que não cortejou políticos em troca de apoio nas eleições, que pagou as taxas da Cúria, que levou uma vida simples na casa paroquial, que deu esmola aos necessitados?”
[Eu sempre pensei que a Igreja cuidasse materialmente de seus padres depois que eles se aposentavam.]E, percebam, ao mesmo tempo em que defende os padres diocesanos honestos, o bispo revela sutilmente [ou nem tanto] a corrupção na Igreja.
Dom Clemente é defensor das medidas tomadas no Concílio Ecumênico Vaticano II, que promoveu várias reformas na Igreja, e das Comunidades Eclesiais de Base [CEBs]. Nestas, ele vê o futuro da Igreja.
O próprio Dom Clemente que criticou o “medo” que assola dos padres, não se isenta desse sentimento. Ele diz que estava “motivado” para expor suas ideias, mas escreve: “Confesso que, por um momento, experimentei a sensação de medo. Eu teria tido a coragem de publicar antes dos 90 anos?” Pelo jeito, não, pois não o fez – apesar de não ser pouco fazê-lo agora.
Semana
A Semana Dom Hélder terá um ciclo de palestras entre os dias 26/9 a 2/10/2009. A comissão organizadora é formada por Carlo Tursi, Geraldo Frencken e Adriano Ribeiro. Para contatos, o e-mail: ogrupo@yahoo.com.br
sobre “Em Igreja orientais católicas os padres podem casar. Por que não na Igreja latina?”
Nas Igrejas orientais os padres não podem se casar. Acontece que um homem casado pode torna-se padre, mas se um candidato ao sacerdócio ordena-se, este não pode casar-se.
Sobre a situação dos padres diocesanos exige dos fieis uma atenção especial, pois sempre se quer um padre para batizar, casar, enfim, ministrar os sacramentos de um modo geral e muitas vezes fica só nisso. Quem é engajado na Igreja tem por obrigação de caridade zelar por seus pastores, especialmente quando estes ficam idosos.
Sobre o futuro da Igreja é inegável a ação das Novas Comunidades, um fenômeno eclesial mundial que deu novo vigor à ação da Igreja. As CEBs possuem seu valor e lugar mas parecem ter se perdido no caminho. Vale a máxima de Jesus, ” A árvore se conhece por seus frutos”. Grato pelo espaço caro Plínio.
A Paz de Cristo!
Eu quando jovem queria entrar no seminário para me tornar padre, mas não entrei, então me casei e recebi o sacramento do matrimonio. Hoje tenho dois filhos e minha esposa que era protestante se converteu com coração também à Santa Igreja Católica, temos nossas dificuldades, mas vivo feliz com matrimonio. No entanto nunca me passou a vontade, “o chamado”, ao prebistírio – e creio que se hoje ouvesse algum meio, permissão e ou exeção pela Igreja buscaria a ordenação sem exitar.
Peço-vos vossas orações.
Salve Maria,
Nos temos agora uma nova comunidade discutindo sobre este assunto no orkut
Entra ai
http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=117118277&refresh=1
Fiquei muito contente com o seu artigo sobre Dom Clemente Isnard. Nos meus estudos, tenho encontrado poucas manifestações de pessoas da hierarquia da Igreja, que condenam o celibato clerical, pelo menos no Brasil. Relacionava: PADRE DIOGO ANTONIO FEIJÓ, DOM CARLOS DUARTE DA COSTA (EXCOMUNGADO PLEO PAPA PIO XII) e agora, mais recentemente, DOM CLEMENTE ISNARD.
Também li seu livro e tive oportunidade de escrever um artigo para o Jornal do Leitor, após a sua morte.
Parabenizo-o, pelo artigo
Interessante, esta semana envie um pequeno artigo pro O Povo sobre o fim do celibato e cito dom Clemente Isnard. Pesquisando na internet agora sobre o tema, vi seu artigo de 2009. Dom Clement faleceu, mas suas propostas estão aí. Uma delas o Papa Francisco já atendeu, acabou com o título de monsenhor, sem que os que ja tenham possam perdê-lo. Ordenar padres casados já está no horizonte do papa, para regiões longínquas e pessoas aposentadas. é um avançao.
Mas você vai gostar quando sair meu livro sobre o Bispo de Maura, este foi um crítico radical. Que Deus me ajude a concluir A PESQUISA E A ARRANJAR UMA EDITORA PARA PUBLICÁ-LO, A NÍVEL NACIONAL.