Chega ao fim a campanha mais estranha, agitada e instável da democracia contemporânea brasileira, no recorte histórico que pode ser contado a partir de 1989. Seria bom que o eleitor tivesse garantido no dia de hoje, pelo menos hoje, a tranquilidade necessária para fazer a escolha que sua própria consciência considerar a mais acertada, longe dos extremismos, das pressões e, em especial, da violência, física e verbal, que marcou todo o processo.
Jair Bolsonaro, pelo PSL, e Fernando Haddad, pelo PT, são as duas únicas opções que restaram. Claro que também há, como alternativa, a possibilidade de não escolher nenhum deles e anular o voto, hipótese que precisa ser considerada quando se está diante de dois candidatos que apresentam índices de rejeição que, em temporadas normais de eleições passadas, pareceriam proibitivas a qualquer perspectiva de vitória. No registro mais baixo, algo acima de 40%, uma coisa inimaginável até outros tempos e que ajuda a alimentar o sentimento de que algo de muito estranho cerca o momento político nacional.
O Ceará ocupou protagonismo indireto na reta final, através do candidato do PDT à presidência em 2018, o ex-governador Ciro Gomes, que, excluído do segundo turno (por falta de apoio numérico para estar entre os dois mais votados que hoje voltam às urnas), foi-se à Europa para um descanso rápido e, na volta, optou pelo silêncio em relação ao voto. Apesar da forte pressão exercida sobre ele pela campanha de Haddad, por eleitores seus e por artistas que o queriam anunciando de maneira mais clara a opção no petista. Conseguiu-se, como máximo, que ele deixasse clara sua rejeição à alternativa Bolsonaro, através de rápidas manifestações na linha “Ele não”.
Minha preocupação maior passa a ser com o amanhã, abstraído o resultado que sairá das urnas. Como estará o País diante de uma ressaca político-eleitoral que tende a deixar uma dor de cabeça difícil de ser curada no dia seguinte? Precisaremos de mais tempo para ter recuperado o sentimento de nação, de um grupo comum de pessoas que habita o mesmo espaço, divide sentimentos parecidos, busca objetivos que aproximam mais do que distanciam. Há feridas abertas por uma disputa que, em vários momentos, situou-se muito além do razoável, destruindo amizades, relações e, até, unidades familiares.
Será possível superar tudo que de mal a campanha deixa para trás, encerrando-se hoje. A velocidade com que acontecerá vai depender, em grau destacado de responsabilidade, da postura que tiver o eleito, chamando ao diálogo, oferecendo a chance à sociedade de uma reconciliação, abrindo espaço para que as diferenças convivam. O fim da campanha mais tensa da nossa história política recente, virada a página de hoje, representará a chance de recuperarmos nas nossas vidas o Brasil que tínhamos até outro dia, no qual cabiam todas as religiões, todas as ideologias, as opções humanas de todos os níveis, sem que as diferenças fossem transformadas em motivo de ódio. Rezemos (e trabalhemos) por isso.

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Gualter George

Editor de Política do O POVO

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