Pelas veredas mais tortuosas da vida, tropeçando às vezes, na própria desilusão, eles chegam a Canindé. Na bagagem, um coração vazio de si, na mão, um ex-voto, símbolo como memória de uma identidade, na voz, orações se elevam ao sagrado, no olhar, uma saudade imensa renitente sai pelas bordas dos olhos.

Passos brandos na vasta poeira do tempo trilha sem regresso envolto em mistérios, enveredados pela fé. Assim seguem os romeiros. Não comunicam desalento, nem cansaço, pois são impedidos e amparados pelo santo, presente na romaria. Devotos numerosos e peregrinos de todas as raças se amalgamam na Meca interiorana de todas as crenças, gestos profanos se unem, irrompem de cada alma sedenta do eterno, da piedade popular. Essa popularidade que ganhou a Romaria da Fé.

Ela chegou ao Santuário de São Francisco das Chagas de Canindé na tarde de ontem – domingo dia 30 de setembro. A Romaria completa 9 anos de festejos alusivos ao santo da pobreza. “De longe, distante, tangidos por fé, de todos os lugares chegam a Canindé”.

Com esse slogan e a resistência física alimentada pela fé em São Francisco, 95 devotos chegaram ao Santuário de São Francisco. Eles saíram da Capital no último dia 27 de setembro, às 21h, do Bairro do Canindezinho, rumo a “Meca nordestina”.

De acordo com o organizador Francisco Ubiratan dos Santos Martins não há empecilho para quem tem fé. O coordenador cita o exemplo de Antônio Dias com 71 anos que vem pela sexta vez ao santuário.

‘’Começamos a planejar e preparar a romaria com quatro meses de antecedência. “É sacrifício mesmo. A gente se cansa, mas a fé é maior”, resume Ubiratan, como é carinhosamente chamado pelos demais participantes.

Ao longo do percurso os peregrinos passaram por cinco cidades: Fortaleza, Maracanaú, Maranguape, Caridade e Canindé, e por nove distritos ou localidades: Tabatinga, Urucará, Gereraú, Ladeira Grande, Columinjuba, Amanaria, Itapebussu, Lagoa do Juvenal e Campos Belos.

A romaria leva esse nome porque é um ato de fé entre adultos e criança.

Um dos ensinamentos de quem já conhece bem o chão que separa Canindé de Fortaleza é o sacrifício do desconforto. “Quem não souber o que é desconforto, que olhe no dicionário”, diz Ubiratan. Segundo ele, apesar do cansaço, das dificuldades, da privação e das feridas nos pés, são poucas as pessoas que desistem. “O cardápio é sempre arroz com feijão ou feijão com arroz”, brinca.

Para o professor de matemática, Francisco Arruda Bastos, a viagem é uma reflexão de vida e não só um ato de fé. “Não se trata de uma religiosidade intensa, mas valorizar o lado espiritual. É uma experiência muito rica e são muitos os aprendizados nos quatro dias de viagem”.

Em Canindé, os devotos da romaria Dom Joaquim foram recepcionados pelo Assessor de Romaria Rodesio Silva e abençoados pelo frei Francisco Rogério da Paróquia franciscana em Mossoró no Rio Grande do Norte. A Prefeitura, na pessoa de sua titular, Rozário Ximenes, colocou todos os prédios públicos para abrigar os romeiros que chegam de forma organizada na cidade. “Vamos ajudar a paróquia sempre dentro de nossas possibilidades”, disse.

Fotos e texto de Antônio Carlos Alves