Aborto é um tema delicado até para quem defende o direito da mulher a fazê-lo – meu caso, diga-se. A violência que uma gravidez voluntariamente interrompida impõe em uma pessoa deve ser enorme, imensurável para quem nunca viveu isso. A co-produção Argentina/Brasil “Invisível”, do argentino Pablo Georgelli, trabalha no limiar entre a dor e a violência, sempre preocupado em focar na potencial mãe.

Toda a história do filme é ancorada na magistral atuação de Mora Arenillas. No filme, ela interpreta Ely, uma estudante de Ensino Médio que se descobre grávida de um colega de trabalho mais velho e casado. “Invisível” já abre nesse caos mental da jovem, perdida entre ônibus enquanto pensa em uma decisão que, seja ela qual for, vai mudar o resto da própria vida.

Ely (Mora Arenillas)

Assim como no Brasil, o aborto é ilegal na Argentina – com exceções sobre risco à mãe ou estupro, bem como aqui. Assim como no Brasil, quem quer consegue abortar. Decidida a interromper a gravidez, Ely conta com a ajuda da internet e de uma amiga para descobrir pastilhas que causariam um aborto espontâneo. Sem receita, elas acabam recorrendo ao mercado negro, uma opção que não parece minimamente segura.

“Invisível” é povoado de silêncio. A casa vazia de Ely, compartilhada com uma mãe deprimida, a falta de interesse na escola, o relacionamento monossilábico com o amante, as dúvidas que ela não expressa para ninguém. A eficiente direção de fotografia dá o contraponto, dando distância e peso sobre a cabeça de Ely. A câmera segue a jovem grávida e apenas ela. O dilema é sempre da moça, pouco importando a opinião da psicóloga, do amante/pai, da diretora da clínica. É um filme sobre uma mãe, quer ela decida continuar a gravidez ou não. Dentro de tantos silêncios, há um barulho interno, intermitente e, como diz o nome do filme, invisível.

Mora Arenillas consegue segurar o peso de uma câmera que a persegue o filme inteiro

Filme sobre dor e dúvida, a obra de Giorgelli mostra sem oferecer legendas. Dá a entender, não menospreza o público. Aberto a interpretações, “Invisível”, de certa forma, apresenta a necessidade da discussão sobre o aborto como saúde pública. Mostra que, por mais que alguém queira interromper uma gravidez, ninguém defende o aborto em si. Direito ao aborto e o abortamento em si são lutas diferentes. Um é saúde pública; o outro, direito individual.

Com menos de 90 minutos, “Invisível” conhece o peso do próprio tema. De desenrolar lento, o filme tenta não se estender. Ele trabalha bem os dilemas da vida de Ely e nos guia até a escolha dela. Foge de juízo de valor, de discussão retórica, focando em mostrar. Giorgelli, um homem, entende que certa ou errada, a escolha sobre o seguimento ou interrupção da gravidez é da possível mãe – e apenas dela.

(andrebloc@opovo.com.br)

Em Fortaleza, o filme está em cartaz no Cinema do Dragão.

Cotação: nota 5/8.

Ficha técnica
Invisível (Invisible, ARG/BRA, 2017), de Pablo Giorgelli. Drama. 87 minutos. Com Mora Arenillas.

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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