120 Batimentos por Minutos, de Robin Campillo, entremeia dois filmes, cada um mais forte que o outro. De cara, temos a atuação de uma frente progressista francesa dos anos 1990, a sede parisiense do grupo Act Up. Com vozes discordantes, níveis de saúde dissonantes e a disposição de brigar juntos por um objetivo em comum, o grupo tenta disseminar informações sobre a Aids, enquanto pressiona o governo francês e ampara soropositivos. Paralelamente, a obra de Robin Campillo acompanha os dramas pessoais de alguns dos membros do Act Up.

Sean (Nahuel Pérez Biscayart), o dono do filme

O filme já abre em meio a uma assembleia do grupo. Após estabelecer as regras de fala, os líderes apresentam quatro novos membros e remontam uma ação anterior. Já ali, se monta o conflito entre o radical Sean (Nahuel Pérez Biscayart, magnético, como bem definido no Roteiro Nerd) e o diplomático Thibault (Antoine Reinartz). Enquanto o primeiro defende ações de enfrentamento, correndo maiores riscos e recebendo sanções por eventual violência, o líder do grupo quer diálogo com membros do governo e com executivos da indústria farmacêutica. De certa forma, ali, Campillo diferencia duas correntes ideológicas dentro do mesmo grupo pacífico, algo que repercute até hoje.

Nessa ondulação da década de 1990 até este 2018, 120 Batimentos Por Minuto se mostra impressionantemente atual. Primeiro ao mostrar a resistência de um grupo minoritário – lésbicas, gays, pessoas trans, um hemofílico e sua mãe, gente invisível. Em segundo lugar, por estabelecer uma sociedade coberta de hipocrisia, desinformação (fake news) e conservadorismo – uma moça chega a responder que, por ser heterossexual, não precisa usar camisinha. Um terceiro ponto que torna o filme tão atual é justamente o tema central: a Aids. Os tratamentos avançaram e o vírus deixou de ser uma sentença de morte. Só que essa segurança veio com um efeito colateral bem ruim: o relaxamento das políticas preventivas da Aids.

Thibault (Antoine Reinartz) em uma ação mais acintosa do Act Up Paris

É nesse ponto que o “segundo filme” em 120 Batimentos Por Minuto é tão efetivo. Ali, na primeira parte, há a narrativa de resistência e luta. No segmento final, a tônica é dor e sobrevivência. Campillo mostra a crueldade da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ao fazer personagens vistosos, aos poucos, minguarem. É um lembrete para uma geração que se acha invencível, que se educou para menosprezar a força da Aids e de outras Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs). 120 Batimentos é, ao mesmo tempo, quase um documentário sobre uma luta de uma época, e um filme extremamente atual.

Outro mérito é a fuga do fetiche óbvio. Em meio a tanto ativismo, os membros do Act Up Paris encontram tempo para a frivolidade. Se hoje a pauta gay investe mais em diálogo e normatização, o filme prefere em tratar os personagens com toda a sua sexualidade (as pautas trans e lésbica, por outro lado, não apostam tanto na higienização como parte da G). Sean, efeminado, chamativo, exagerado, é o oposto da fragilidade que o estereótipo tenta impor. Ele é pura combatividade. Ele leva informação aos presidiários, ele prefere ações acintosas a negociações com pouco avanço. Ele transa com quem quer (com camisinha) e não precisa ser um bonequinho perfeito, um personagem de Will & Grace.

As pequenas paradas LGBT da década de 1990 tentavam mesclar alegria em um contexto de morte pela Aids

Com um conteúdo político bem afiado, 120 Batimentos Por Minuto é um retrato de duas épocas. Pode até ser mais longo do que devia, mas é natural para uma obra que se dobra em duas linhas narrativas paralelas. Na luta de Sean, Nathan (Arnaud Valois) Thibault, Sophie (Adèle Haenel), Jérémie (Ariel Borenstein), Max (Félix Maritaud) e, mais do que isso, na cumplicidade desses personagens mesmo na discordância, Robin Campillo dá uma lição de resistência da geração anterior para a geração atual. Pode parecer que eles são inimigos entre si, mas mesmo quando se odeiam, eles estão juntos. O inimigo é o governo conservador, seja ele de direita, como o do Brasil atual, ou de esquerda, como o de François Mitterrand, o socialista presidente francês da época do filme.

(andrebloc@opovo.com.br)

Cotação: nota 7/8

Em cartaz nos Cinema do Dragão, em Fortaleza.

Ficha técnica

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André Bloc

Redator de Primeira Página do O POVO, repórter do Vida&Arte por seis anos, membro da Associação Cearense de Críticos de Cinema (Aceccine).

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