A história da patinadora artística americana Tonya Harding é repleta de controvérsias e episódios obscuros. No mundo quase onírico e cor de rosa do esporte, mal imaginamos qual é a verdadeira rotina dos atletas para alcançar o tão almejado sucesso, e principalmente a pressão que se esconde atrás das cortinas dos bastidores.
Em um trabalho audacioso e dedicado do quase estreante Craig Gillespie, a produção se destaca por usar um recurso famoso em muitas produções, que é a quebra da quarta parede ao direcionar-se diretamente ao expectador. O recurso torna-se muito válido, visto que toda a polêmica ao redor do caso em que Tonya se envolveu foi acompanhada justamente pelo público e pela imprensa.
Das muitas versões sobre os fatos ocorridos, ele se apoia em entrevistas concedidas pelos próprios envolvidos no assunto. Pode não ter a imparcialidade sobre o que ocorreu, mas não há quem possa narrar o fato mais precisamente do que quem o presenciou e o viveu.
Desde cedo, Tonya sonha com o mundo da patinação artística e demonstra ter um talento precoce aos quatro anos, quando sua mãe, vivida pela atriz Allison Janney, batalha para que a filha receba o treinamento necessário para despontar para o estrelato.
A vida da protagonista passa por uma sucessão de relacionamentos abusivos. E esses abusos deixam marcas profundas em sua vida, mas ao mesmo tempo dão a força bruta que ela precisa para abrir caminho rumo ao topo do pódio. Tal preço a pagar pelo sucesso acaba por desenvolver uma relação de amor e ódio da mídia americana, em um dos diálogos do filme, Tonya afirma que a imprensa americana sempre procura “uma pessoa para amar e outra para odiar”.
Tonya é uma espécie de anti-heroina do esporte americano que apareceu para a crítica como o grande assunto a ser comentado e ter sua imagem construída e destruída da noite para o dia depois do incidente com a patinadora Nancy Kerrigan. Ainda repleto de controvérsias sobre a verdadeira motivação que o tenha ocasionado.
Buscando ao máximo expor essa visão de depoimentos sobre o caso, Craig Gillespie opta por trazer uma linguagem quase de entrevista entre os personagens e o próprio público. Essa “quebra” da quarta parede é uma boa solução para transmitir esse sentimento, porém, muitas vezes durante o filme ele parece ocasionar um certo desgaste durante o desenvolvimento dos atos. As cenas de patinação parecem ainda um pouco mecânicas, visto que atriz que interpreta Tonya (Margot Robbie) foi visivelmente alterada substituindo digitalmente os dublês em algumas tomadas.
O longa conta com atuações bastantes sólidas de Sebastian Stan, que interpreta Jeff Gilloly, o marido de Tonya e seu segundo maior relacionamento abusivo. As performances destaque no entanto ficam a cargo de Allison Janney, que se entrega totalmente ao papel em uma atuação memorável. As cenas em que ela contracena com Robbie trazem todo o drama central da projeção.
“Eu, Tonya” fala sobre o sacrifício interno em prol do que acreditamos do potencial humano, mas também diz muito sobre os perigos de viver relacionamentos danosos que nos levam a ultrapassar nossos limites, tanto físicos como psicológicos. Do que realmente deveríamos abdicar para nos sentirmos, mesmo que por um segundo, no topo do mundo.
(catherinesantosm@gmail.com)
Cotação: nota: 6/8
Ficha técnica
Eu, Tonya (I, Tonya 2017, EUA), de Craig Gillespie. Drama, Biografia. 121 minutos. Livre. Com Margot Robbie e Sebastian Stan.