Eles foram!

Há 25 anos, encerrava-se a primeira edição do Rock in Rio: 10 dias de muita guitarra e lama que entraram para a história da música no Brasil

Do jornal O POVO
Por Alinne Rodrigues
alinnerodrigues@opovo.com.br

Em meados de 1984, uma notícia na televisão mexeu com os roqueiros brasileiros: no janeiro seguinte, bandas internacionais que raramente passavam por aqui em suas turnês viriam para se apresentar em um festival que prometia ser maior que Woodstock. A galera da pesada do Ceará logo se mobilizou. Que outra chance teriam de ver, de uma vez só, os ídolos Queen, Iron Maiden, Scorpions? “Eu tenho 44 anos. Na época eu tinha 18, mas não me esqueço. Era um sábado de julho. Eu tava em casa e deu que, em janeiro de 1985, iria ter esse festival Rock in Rio e que as bandas seriam Yes, AC/DC, Ozzy Osbourne… Daquele momento ali eu disse: -Eu vou. Não sei como, mas eu vou-“, lembra Luiz Eduardo Lima e Silva, funcionário público.

À época, Luiz (ou Luizão, como é chamado no meio roqueiro) ia fazer vestibular. Juntou uma graninha e foi a primeira pessoa a ir até o Banco Nacional, no cruzamento da rua Tibúrcio Cavalcante com a avenida Santos Dumont, para comprar os ingressos. “Tenho certeza que fui o primeiro. Tanto que, quando cheguei na agência e disse que queria comprar os ingressos do Rock in Rio, a informação foi passando de uma pessoa pra outra, porque ninguém sabia ainda como era o procedimento de vender. Mas eu consegui e comprei os 10 dias“, conta.

O amigo Fernando Pessoa, à época, 22, também fazia parte da turma que curtia rock e se articulava para conseguir o passaporte para a Cidade do Rock, instalada no bairro carioca de Jacarepaguá. “A gente começou logo a organizar as pessoas que iam. A minha avó tinha um apartamento pequeno em Copacabana que ficava fechado, então, hospedagem não tinha problema“, lembra. A programação foi sendo divulgada aos poucos. Yes, Rod Stewart. Em dezembro, o Def Leopard foi substituído pelo Whitesnake.

De carro, de ônibus ou de avião (Luizão já havia esquematizado a ida em uma boleia de caminhão, mas foi proibido pelo pai), a caravana cearense partiu rumo ao Rio de Janeiro. O apartamento da avó de Fernando hospedou 12 pessoas e se tornou o quartel general da trupe cabeça-chata. “Era colchonete, sofá, dois numa cama só, rede… No quarto de empregada tinham bem uns três. Era tipo um acampamento no apartamento“, ri-se.

A ida para o festival já foi uma festa: imagine 30 cearenses cruzando a cidade de ônibus, em um trajeto que levava cerca de uma hora e mais vinte minutos de caminhada da parada até os portões. “A gente já ia biritando no ônibus, cantando as músicas do Yes. Era chocante“, diz Luizão. A maratona que duraria 10 dias começou com todo o gás. Logo cedo, o pessoal foi para a porta da Cidade do Rock em busca do melhor lugar para ver os shows. “Era um mundo de roleta, cento e tantas. A gente entrava e via aquela grama verde, com um palco enorme no fundo, era maravilhoso, um sonho, meu Woodstock“, define. “Era uma verdadeira cidade. Tinha várias lojas de camisas, muita cadeias de fast food. Tinham umas tendas pra quem não quisesse ouvir só rock“, completa Fernando.

Para a dupla, o show inesquecível do Rock in Rio foi o do Yes. “Fui lá pra frente, me meti na lama, fiquei com o pé atolado. Quanto mais perto do palco, mais lama. Não estava chovendo muito forte, mas estava aquela neblina“, conta Fernando. “Foi o último show da noite. A chuva fez foi contribuir: ficou só quem gostava. Os grupos ficavam unidos curtindo o som… Foi a primeira vez que, no Brasil, teve efeito de raio laser. Muito chocante!“, relembra o outro.

Mas nem tudo foram flores. No segundo dia de festival, Luiz perdeu os ingressos para os dias seguintes. O sufoco foi grande, mas ele conseguiu com amigos que desistiam as entradas para quase todos os outros shows que aconteceriam para frente. “Só perdi o do dia 18, mas também era o que tinha os shows mais fracos pra mim“, diz. Apresentaram-se Kid Abelha, Eduardo Dusek, Lulu Santos, Go-go-s, B-52-s e Queen.

Na entrada, a revista dos seguranças confiscava câmeras fotográficas. Por isso as lembranças ficaram guardadas principalmente na memória. “Eu vi uma mulher nua passando na minha frente. Eu, com 18 anos, vendo aquilo era um paraíso. Lembro também de umas duchas que a gente tomava banho de roupa e tudo lá e do lamaçal, que, quando começou a chover, a gente colocava saco de lixo azul no sapato e saía patinando pra se locomover“, conta Luiz Eduardo.

A experiência do Rock in Rio, em 1985, mexeu mesmo com a vida de Fernando e Luizão. O primeiro tornou-se assistente de comunicação e cultura do Centro Cultural Banco do Nordeste e promove, já há quatro anos, o festival BNB Rock-Cordel. O segundo é funcionário público, mas, há 10 anos, comanda um programa de rock and roll em uma rádio. Dois verdadeiros dinossauros cearenses do rock.

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