Quando morreu, aos 29 anos, Dolores Duran tinha gravado apenas quatro discos. Numa época onde mulher compositora não era lá uma coisa muito bem vista, ela também compôs 35 canções, muitas delas clássicos da música brasileira, como Estrada do sol, Fim de caso e Solidão. Mas, destas, ela só teve tempo de registrar sete. As demais encontraram voz na boca de boa parte dos artistas da MPB.

Sofisticada, inteligente, refinada, Dolores ganha agora uma homenagem a altura da sua importância. Produzida pelo jornalista Rodrigo Faour, o box Os anos dourados de Dolores Duran agrupa em oito discos toda a produção da compositora carioca que nasceu Adileia Silva da Rocha, em 7 de junho de 1930 e, aos 10 anos, ganhou o primeiro prêmio no programa de calouros de Ary Barroso. Aos 20, foi assistida e elogiada pela cantora de jazz Ella Fitzgerald que ficou encantada com sua interpretação para My funny valentine.

O título de melhor crooner do Rio de Janeiro, em 1955, foi o passaporte para lançamento do seu primeiro disco, naquele mesmo ano. Numa época em que “cantora eclética” não era ainda um clichê da MPB, Dolores estreava com disco Dolores viaja. Entregando a proposta logo no título, ao longo das oito faixas, ela desfila sete línguas diferentes como francês, alemão, inglês e até esperanto. Dolores esmerou sua pronúncia nas muitas línguas que falava cantando nas boates cariocas como o Little Club. Em português, a única faixa do disco é Canção da volta, de Ismael Neto e Antonio Maria, que logo se transformou no seu primeiro sucesso.

O conceito do primeiro disco se repete nos dois volumes de Dolores canta pra você dançar, lançados em 1957 e 1958. Pescando o que havia de melhor no hit parade da época, ela fez um apanhado variado de canções famosas e interpretou-as sob arranjos de orquestra escritos por Severino Filho. A lista traz Only you, rock balada dos The Platters, Conceição, sucesso de Cauby Peixoto em 1956, o samba Escurinho e a italiana Volare. A compositora Dolores também começa a aparecer com Por causa de você, Não me culpe e Solidão.

Mesmo antes de criarem a expressão, Dolores Duran encerra sua discografia com o disco conceitual Este norte e minha sorte, em 1959. São 10 canções em ritmos nordestinos como baião e forró, incluindo a bem humorada Prece da vitalina, parceria dela com Chico Anísio. “São José, por seu favor/ Sem lhe fazer meu criado/ Diga aí pra Santo Antônio que eu continuo de lado”, brinca ela na letra.

Diagnosticada aos oito anos cm febre reumática, Dolores levou a vida com a saúde debilitada e ainda agravada pela vida boemia. Juntando copo de whisky, com os três maços de cigarro diários e as constantes noites mal dormidas, ela já estava acostumada com as dores no peito, desmaios e as internações. Após sua morte, em 24 de outubro de 1959, a gravadora Copacabana, pela qual lançou todos os seus discos, editou os póstumos Estrada da saudade, mais brasileiro, que incluía três canções do ex-namorado Billy Blanco, e A noite de Dolores, que trazia pela primeira vez A noite do meu bem, que ela sequer teve tempo de ver se tornar seu maior sucesso.

Para fechar o conteúdo de Os anos dourados de Dolores Duran, a coletânea dupla O negócio é amar traz as 28 composições de Dolores, inéditas em sua voz, cantadas diversos intérpretes. Tem O negócio é amar, com Fafá de Belém e Nelson Gonçalves, Castigo, com Sylvia Telles, e Noite de paz, com Clara Nunes. As gravações de Só ficou a saudade e Falsos amigos, forma feitas especialmente para o projeto por, respectivamente, Márcio Gomes e Márcia Castro. Um homenagem merecida a quem deu sofisticação ao velho samba-canção, já colocando o pé onde viria a ser a Bossa Nova.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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