Desde muito jovem, Paulo César Pinheiro descobriu que seu negócio era fazer música. Ao lado de bambas como João Nogueira, Mauro Duarte, Baden Powell e mais, muitos mais do mesmo quilate, ele criou uma obra de fazer arrepiar os pêlos do ser humano mais insensível do planeta. Na valsa, no samba ou onde quer que seja, ele é um letrista onipresente, sem geração e sem amarras dentro da música brasileira. Para interpretar uma obra desta monta é necessária uma voz a altura. É aí que entra a niteroiense Selma Reis. Dona de uma voz forte e emocionada, Selma se apresentou para o público na virada dos anos 1980 para os anos 1990 e, a cada novo trabalho, vem se mostrando mais solta e diversificada. A prova está nesse Minha homenagem ao poeta da voz, novo disco, lançado pelo selo próprio Tessitura Musical, onde seleciona 15 músicas num repertório de mais 1000 canções de PC Pinheiro.

Sem medo de errar ou de comparações, Selma traz para seu universo músicas já devidamente imortalizadas por cantoras como Elis Regina, Clara Nunes e Simone. “As vozes femininas foram um marco na MPB. Todas essas cantoras que ajudaram a fazer a MPB, a gente tem que ser muito grato a elas”, reverencia Selma numa gostosa conversa por telefone. Diferente das citadas, Selma estudou música, inclusive em Paris, sempre mantendo o foco na voz. “Para a gente, aqui no Brasil, o estudo formal é sempre um problema. Você começa cantando e depois vem o interesse pelo estudo da voz. Nos musicais já tem uma galera jovem que se preocupa com isso”, diz ela que também é atriz e fez parte do elenco dos musicais Chicago e Ópera do Malandro.

Quanto ao tributo a Paulo César Pinheiro, que ela trata carinhosamente por Paulinho, Selma Reis diz que trata-se de um projeto antigo, acalentado há mais de 20 anos. Juntos eles ouviram músicas, sugeriram repertório, idéias até chagar ao resultado do disco. “São mais de mil músicas. É uma loucura. Te confesso que fui pela intuição”, diz ela. “Escutei muita coisa e depois disse que não queria ouvir mais nada. Algumas destas músicas, eu gostava e queria ter na minha discografia. São músicas que ouço há muitos anos e queira ter registrado na minha voz, como o Bolero de satã”. Registrado originalmente por Elis e Cauby Peixoto no disco Essa mulher, o Bolero caiu como uma luva no repertório de Selma e ganhou um registro mais lento e sensual. Também do repertório da Pimentinha entrou Vou deitar e rolar, o melhor samba do disco. “Elis já é deusa e ninguém vai disputar isso”.

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Por falar em samba, para quem conheceu Selma Reis como a Irmã Zenaide que cantava árias na novela Páginas da vida, mal sabe das suas velhas ligações com a cadência e o compasso do chão do Brasil. “Não quero disputar com ninguém, mas acho que canto samba muito bem. Sou carioca e tenho a malemolencia no sangue. Quem já puxou samba na avenida, não pode ser ruim de samba”. Ainda assim, ela conta com os reforços de Diogo Nogueira e Beth Carvalho. Ele escolheu As forças da natureza e ela Portela na avenida. Pescadas do repertório de Clara Nunes, as duas revelam uma uma Selma sambista pouco conhecida, assim como em To voltando, hino dos anistiados lançado por Simone, que ela refez num clima mais cadente, em registro baixo e lento.

Cantora de um belo registro vocal, Selma Reis se mostra mais a vontade quando aproxima sua MPB do seu lirismo. Esse é o caso da belíssima Viagem, composta por Paulo César quando este tinha apenas 14 anos, e Velho arvoredo, em belo registro voz e piano ao lado de Cristovão Bastos. Para homenagear também seu instrumento de trabalho, Minha missão encerra o disco com um arranjo pesado e dramático. “Sempre fui ligada na voz e tenho um desejo frustrado por não cantar em ópera. Se você olhar pra minha obra, vai ver que é uma pessoa ligada na voz, que não ta nem aí pra classificação. Tenho um barato com a voz, por isso canto muitos estilos. Pra mim o que importa é que aquela canção me interessou. Pra mim é a minha música e a minha voz”.

Por sugestão do próprio Paulo César, a rara Bodas de vidro, parceira com Sueli Costa gravada por Marília Medalha em 1992, ganhou um arranjo “mais tanguiado”, segundo a própria Selma. E é assim, do samba ao tango, que ela leva sua homenagem ao poeta da voz. “Fui acostumada com seresta, samba e tudo que uma boa carioca ta acostumada, e, ao mesmo tempo, tenho interesse numa coisa acadêmica. Eu gosto de música que tem grandes expressões. Essa miscelânea toda faz a expressão ser minha.”

Sugestão: Ouça o disco Minha homenagem ao poeta da voz, de Selma Reis, lendo Histórias das minhas canções, onde o próprio poeta conta de forma gostosa como nasceram suas composições.

Set list:

1. Banho de Manjericão   
2. As Forças da Natureza com Diogo Nogueira  
3. Cicatrizes   
4. Passatempo   
5. Bolero de Satã   
6. Sem Companhia   
7. Bodas de Vidro   
8. Cordilheiras   
9. Vou Deitar e Rolar   
10. To Voltando   
11. Viagem   
12. Velho Arvoredo   
13. Portela na Avenida com Beth Carvalho  
14. Ofício com PC Pinheiro  
15. Minha Missão

Para mais: www.selmareis.com.br

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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