Na década de 80, duas loiras invadiram as rádios com trabalhos e energia bem parecidos. Ambas estouraram e fizeram muita gente dançar ao som de uma série de hits. O tempo foi passando e elas tomaram rumos bem diferentes. A primeira delas, Madonna, foi entronada rainha do Pop e mantém o posto com dignidade, sendo a mais bem sucedida cantora de sua geração. A segunda, Cindy Lauper, foi sumindo, sumindo, até ficar marcada como uma das referências daquela década e ser lembrada, na maioria das vezes, somente em festas temáticas. Puro desconhecimento. Cindy continua na ativa e, até por conta de ter um público bem menor, acaba por se aventurar por praias diferentes do pop de Girls just wanna have fun (que é ótima, inclusive). Isso já aconteceu em 2003, quando ela lançou At last, seu bom disco com sotaque jazzístico, onde mostra que sabe cantar sem gritos e com elegância (vide a faixa que dá nome ao disco). Agora, ela volta com uma nova aventura em que desbrava os caminhos do blues e chama, para guiá-la, grandes nomes do gênero. Memphis Blues foi produzido por Cindy e Scott Bomar e traz 13 canções, entre conhecidas e outras nem tanto. Este é o 11º disco da cantora que já conta 57 anos de vida, mas o fôlego é de início de carreira. Só pra começar, Memphis Blues traz Just your fool que abre com um furioso riff de gaita, presente do veterano Charlie Musselwhite. A voz da cantora é mesma de anos atrás, aguda, rasgada e segura. E é o que sobressai ao longo do disco e segura a animação ou a dramaticidade, como Shattered Dreams, marcada pelo piano de Allan Toussaint, outro veterano. Allan também comparece na ótima Early in the morning, que ainda traz o reforço do onipresente B.B. King. B.B. é presença garantida em qualquer disco de blues que se preze e aqui não seria diferente. Ele e sua guiatarra brincam com Cindy num arranjo gracioso, cheio de improvisos. Mas, nem só de lendas é feito Memphis Blues. Jonny Lang canta e toca guitarra em How blues can you get? e Crossroads, esta inclusive em versão pé no freio. A escalação do rapaz de 29 anos, cuja voz lembra muito a do Joe Cocker, é bem válida, principalmente ao vê-los brincando com os clichês do blues. Mas, voltando à velha guarda, Ann Peebles divide bem no clássico Rollin’ and tumblin’, do mestre Muddy Waters. A voz rouca na medida de Ann casada com a bela guitarra slide de Kenny Brown, reforçam o peso desta canção que já passou pelas mãos de grandes mestres do blues, como Eric Clapton. Em Wild women don’t have the blues, Cindy dispensa a banda e se acompanha apenas do violão de Charles “Skip” Pitts. A canção, composta em 1924 por Ida Cox (compositora americana conhecida como “A rainha sem coroa do blues”), é um manifesto feminista que aconselha as mulheres sobre o que devem fazer com os seus “monkey men”. Pra fechar Memphis Blues, Cindy Lauper faz uma faixa bônus com o saxofonista Leo Gandelman. I don’t want to cry foi feita por encomenda para a edição brasileira, mas faz bonito. Trata-se de uma trilha sonora pra dançar juntinho. Ao fim dos 53 minutos do disco, fica a vontade de ouvi-lo novamente. Os puristas vão chiar, mas, quem conseguir ouvir música sem preconceito, vai ter nas mão o disco de cantora que aproveita o nome que tem pra testar novos caminhos. Nos resta saber qual será o próximo.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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