Sabe quando uma música lhe pega logo na primeira audição? Pois foi isso o que aconteceu ao conhecer o trabalho de Marcela Bellas (foto de Carlos Careca Cecconello). Após um download legal (em todos os sentidos), deixei o disco guardado no computador até o dia em que decidi ouvir. Pronto. Amor à primeira vista. Baiana radicada em São Paulo há três anos, Marcela faz um sonzinho despretencioso, pop e refinado. Em três discos – Será que o Caetano vai gostar?, MIM e Undergrude – ela aponta para diferentes posições sem perder a coerência. MIM, por exemplo, traz o subtítulo Um disco Romântico, que deixa um medo no ouvinte de estar perto de ouvir uma sequencia de rimas pueris. Que nada! De fato, é um disco apaixonante e… romântico. Mas, sem dificultar nada, ele fazem tudo com muito bom gosto. Eles, que digo é Marcela, com sua voz doce e afinda, e Daniel Cohen, músico e cantor que em alguns momentos lembra a voz de Arnaldo Antunes. Em conversa com o DISCOGRAFIA, Marcela falou sobre seu trabalho, suas influências e sobre sobreviver na música em tempos de internet. Leia e ouça.

DISCOGRAFIA – Podemos começar pela suas influências e formação na música. Como você entrou na profissão de músico?

Marcela Bellas – Sempre ouvi muita música brasileira, com certeza esta é a minha base. Ouvia de tudo: Novos baianos, Ademilde Fonseca, Secos & Molhados, Caetano Veloso, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Gal Costa, Cazuza, Maria Bethânia, Paralamas do Sucesso, Gil, Olodum, as músicas do Carnaval da Bahia… e tudo o que era sucesso nas rádios! Acho que o que me influenciou foi justamente essa diversidade e até coisas que até hoje nem sei quem cantava, mas eu gostava. Quando eu ouvi o rock dos Beatles e trip hop inglês do Portishead, cheguei à sonoridade que faltava pra mim. Toda a qualidade do som produzido lá fora, dos timbres de guitarra, o recurso da música eletrônica. Cada vez mais venho descobrindo sonoridades e me identificando com elas, como o reggae e o dub. Tudo influencia. O cotidiano, os sentimentos, o tempo.

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DISCOGRAFIA – E quando começou seu interesse pela música?

Marcela Bellas – Desde que comecei a falar, já cantava. Adorava cantar. Cantava tudo o que ouvia e aprendia. Para mim, naquela época, todas as músicas eram de Roberto Carlos. Ele aparecia na televisão e era a imagem que eu tinha de um cantor. Minha avó conta sempre umas histórias que quando me perguntavam o que eu queria ser quando crescer eu dizia: ‘Roberto Carlos’. E, quando viajávamos de Salvador para Aracajú, onde morei na infância, eu ia cantando a viagem inteira com um microfone improvisado, que na verdade era uma escova de cabelo. Sempre soube o que queria ser e ainda criança resolvi correr atrás disso, comecei a fazer aulas de canto e violão. Quando compus Quando o samba quer com Helson Hart comecei a descobrir meu caminho. Por isso ela abre o Será que Caetano vai gostar?.

DISCOGRAFIA – Você é uma baiana radicada em São Paulo e, ao que parece, esta segunda cidade lhe pegou mais forte musicalmente. Você gosta ou se identifica de alguma forma com a música baiana?

Marcela Bellas – Nasci em Salvador, morei boa parte da infância em Aracajú e há três anos estou em São Paulo. Aqui em São Paulo, as coisas acontecem num outro ritmo, o fluxo de trabalho é muito maior, a rotina é mais puxada. Estou entrando no clima! E gostando muito! E, por incrível que pareça, a qualidade de vida é ótima. Moro numa casinha simpática na Lapa, bairro que mais parece uma cidade do interior. Mas a saudade sempre aperta. Sinto falta do mar, das pessoas que eu amo, de poder andar pelo Rio Vermelho e das coisas que só o lugar da gente tem e que são, sem dúvidas, a maior fonte de inspiração pra minha vida e, consequentemente, pra minha música.

DISCOGRAFIA – Uma pergunta bem clichê, quais foram suas primeiras influências? Elas mudaram?

Marcela Bellas – A minha primeira santíssima trindade foi Caymmi, Caetano e Cazuza. Com esses três aí eu já tinha uma boa base pra ouvir todo o resto que viesse pela frente. É assim, na medida em que eu vou conhecendo, vivendo, vendo e sentindo as coisas, coloco no meu som aquilo que me toca.  Sempre ouvi de tudo, gosto de música! Tudo o que eu ouço, vejo e vivo me inspira. Não só o que gosto, até o que não gosto também.

DISCOGRAFIA – Você tem dois discos gravados (estou certo?) e eles tem sonoridades bem diferentes. Como cada um deles foi pensado e montado?

Marcela Bellas – Na verdade são três discos. Quase ao mesmo tempo em que estava produzindo o MIM, junto com Cohen e Felipe Tixaman, aqui em São Paulo, também produzi a maior parte do Undergrude, um álbum paralelo em parceria com dois grandes amigos e compositores baianos, Jorge Papapá e Helson Hart. Fizemos as músicas durante o verão passado, em Salvador e achamos que mereciam ser registradas pois tinham uma “cara” própria. E aí surgiu o Undergrude.  Da mesma forma aconteceu com o MIM, um disco romântico, que hoje é um trabalho paralelo à minha carreira solo. Os três estão disponíveis para download no meu site.

DISCOGRAFIA – O seu primeiro disco, Será que o Caetano vai gostar?, já começa a pegar pelo título. Por que esse nome? Qual a importância do Caetano na sua carreira?

Marcela Bellas – O nome do disco veio de uma forma muito natural. Caetano é uma grande referência pra mim desde os oito anos de idade, na minha vida e, hoje, no meu trabalho. É também uma referência para os meus parceiros musicais.  E durante a gravação do disco, no meio daquele processo todo eu sempre ficava me perguntando: ‘o que será que Caetano vai achar? Será que ele vai gostar?’. E também tem esse lado do próprio Caetano, de dar opiniões sobre as coisas. E até então o disco não tinha nome. Até que percebi que essa pergunta daria um nome interessante e coerente com tudo isso.

DISCOGRAFIA – Nesse disco você faz uma gravação de um cearense ilustre, o Fausto Nilo, inclusive em uma versão pra lá de inusitada. Porque regravar esta música em “marcha lenta” e o que você conhece mais de música cearense?

Marcela Bellas – Cresci ouvindo essa música no Carnaval da Bahia, além de ter sido um grande sucesso na voz de Gal Costa, outra grande referência do meu trabalho. O repertório do disco já estava fechado, não ia haver nenhuma regravação, mas no carnaval de 2009, voltando pra casa acabada na madrugada, me veio essa música na cabeça, assim mesmo em marcha lenta, com aquela imagem do fim de Carnaval. As pessoas dormindo na rua, todos os restos do Carnaval, o lixo espalhado por todo o canto. Aí pintou o arranjo, me emocionei e decidi gravar. Eu não conheço muito da música cearense. Acho que ainda não fomos apresentadas como deveríamos. Mas não posso deixar de falar de Fagner e Belchior, dois grandes nomes da música brasileira e que fazem parte da trilha sonora da minha vida também.

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DISCOGRAFIA – Em seguida você lançou MIM, em parceria com Daniel Cohen, que é seu vizinho. Com o subtítulo “Um disco romântico”, não dá pra pensar que vocês são só parceiros. É isso mesmo?

Marcela Bellas – Daniel, assim como os outros parceiros, é um grande encontro na minha vida. Trocamos muitas coisas, dividimos as angústias da profissão, dicas de culinária! E musicalmente tem sido muito bom. 

DISCOGRAFIA – Este disco pega por um romantismo bem dosado, sem cair na breguice. Onde cada um de vocês mais contribuiu neste disco? Quem sugeriu a sonoridade, as letras, etc.?

Marcela Bellas – Não tem como demarcar territórios. As coisas vão surgindo. Dani tem melodias e harmonias maravilhosas, lindas mesmo. Eu me dou bem com as palavras e as imagens que penso pros sons que vão sendo tirados. Daí vamos fazendo juntos.

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DISCOGRAFIA – Mesmo sendo o disco de uma dupla de compositores, MIM tem apenas 8 faixas. Por que tão curto?

Marcela Bellas – Para um artista independente já é difícil gravar um disco. Então, não dá pra gravar um disco com muitas canções. E também porque não pensamos nisso, num número ideal de canções pra gravar. Fizemos estas oito música, achamos que estava bem redondo e entramos no estúdio.

DISCOGRAFIA – Você me comentou que o disco está à venda, mas o foco mesmo é o download gratuito disponível no seu site. Como é sua relação com a indústria fonográfica?

Marcela Bellas – Acho que o download já não é mais um caso a se pensar, e sim, aceitar. A internet modificou de forma irreversível o mercado fonográfico. Até Roberto Carlos lançou um single! O Será que Caetano vai gostar? foi lançado inicialmente apenas na internet e está disponível para download no meu site, assim como o MIM e o Undergrude. O importante é que as minhas músicas cheguem às pessoas, que elas tenham a oportunidade de escutar e que eu tenha a oportunidade de, como artista, estar perto das pessoas, cantando pra eles nos shows. Acho que o mercado fonográfico atual está confuso, para todos. Eu fico tentando entender essa confusão pra poder fazer parte dele como profissional.

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DISCOGRAFIA – Hoje você se dedica profissionalmente somente à música?

Marcela Bellas – Totalmente. Além dos meus próprios projetos, estou atualmente produzindo o disco de Talita Avelino, uma talentosa e jovem cantora e compositora paulistana, que tem um trabalho de raiz brasileira. O que é muito fascinante pra mim, que sempre fui muito identificada com as coisas de raiz, mas sempre buscando o que vinha de fora. E Talita é a paulistana mais nordestina que conheço. Além disso, componho para outros artistas, faço algumas coisas com publicidade também. Não é fácil, mas não há nada que possa concorrer com a música, então vamos em frente!

DISCOGRAFIA – Qual será o próximo passo da Marcela Bellas? Já tem algum novo trabalho em vista?

Marcela Bellas – Sim, estou sempre maquinando coisas, na verdade. Nesse momento estou trabalhando no repertório do novo disco e na estreia do novo show, já pensado com base no próximo trabalho, que farei em Salvador no dia 07 de Fevereiro. Vai ser o momento de experimentar o repertório, sentir a resposta do público. Ainda não dá pra falar muito, pois estou em processo de criação, mas espero lançá-lo no segundo semestre de 2011. É só o que eu sei até agora!

>> Para mais: http://www.myspace.com/marcelabellas

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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