Em 15 de março de 1998, a música brasileira perdeu boa parte da sua graça. Foi neste dia, coincidentemente um dia de domingo, que morreu o carioca Tim Maia, após sofrer duas paradas cardiorrespiratórias. O chamado para se apresentar nos palcos celestes acabou por abortar um retorno seu às TVs. Para quem não lembra, o mau hábito de marcar e não comparecer aos eventos, além de garantir histórias antológicas, transformou-o em persona non grata entre os programadores dos principais canais de televisão.

Águas passadas que já não movem mais moinhos e hoje Tim Maia pode ser lembrado pelo que tinha de melhor: sua música. Com boa parte da sua discografia voltando às lojas, o homem que se dizia “preto, gordo e cafajeste, formado em cornologia, sofrências e deficiências capilares” volta a ser reconhecido como um mestre no ritmo dançante e nas baladas arrasadoras. “Ele não perde o charme. Se você está tocando um funk ou um soul, vai ter uma hora que a pista vai pedir um Tim Maia”, confirma o DJ Fuser.

Apesar de não ser difícil encontrar o nome de Tim em um sem número de coletâneas, seus discos, tal qual foram pensados pelo artista, foram lançados em CD de forma irregular. No final de 2010, a caixa Tim Universal Maia resgatou oito títulos, lançados entre 1970 e 1984, que representam uma aula de soul music. Pra quem conhece o Síndico apenas com Não quero dinheiroou Me dê motivo, essa é uma boa chance de ouvir a hilária Jurema(que, apesar do nome, é em inglês), o blues cortante Sofree a delicada Risos. Assim como está fazendo com Chico Buarque, a Abril Coleçõestambém vai colocar nas bancas outros 15 discos de Tim acompanhados de um livreto com textos informativos e fotos inéditas (garimpadas dos arquivos da família). Em comum com os discos da caixa Universal, apenas os títulos de 1970 (Primavera), 1971 (Você) e 1973 (Réu confesso).

Ainda sem previsão de chegada a Fortaleza, o grande achado da coleção Abril são os três discos gravados na época conhecida como fase Racional. Apresentado por acaso pelo amigo e músico Tibério Gaspar, Tim Maia, na década de 1970, mergulhou fundo numa seita que pregava a imunização racional em prol da do bem da humanidade. “Já senti saudade, já fiz muita coisa errada. Mas lendo atingi o bom senso, a imunização racional”, dizia o cantor, agora longe das drogas e só vestindo branco (e obrigando seus músicos a fazer o mesmo), se referindo ao livro Universo em Desencanto, espécie de bíblia da nova religião. Como já era de se esperar, a expectativa de ser resgatado por um disco voador que o levaria a um planeta livre dos pecados humanos, durou pouco, mas deixou pra trás algumas gravações consideradas verdadeiros tesouros. “Uma vez eu estava conversando com o meu pai, que é colecionador de discos, e perguntei se ele lembrava daquele disco do Tim de quando ele era de uma religião. Ele respondeu que lembrava e que ainda tinha um na estante. Quando eu vi nem acreditei e acabei levando pra mim”, conta o DJ Marquinhos que se orgulha de ter uma edição completa, inclusive com encarte. “Eu já tive uns cinco discos do Racional, mas esse é o único com encarte”, completa o fã confesso.

Quando abandou o Universo em Desencanto, Tim Maia estava preparando as canções para seu terceiro disco Racional. Achadas por acaso pelo produtor Dudu Marote em 2000, elas foram entregues ao também produtor Kassin que ficou incumbido de finalizar as gravações recrutando os músicos que participaram daquela antológica gravação. São essas canções inéditas que vão lançadas agora no disco Racional 3. Apesar de ter renegado até seus últimos dias estas gravações, Tim Maia não conseguiu apagar toda a lenda por traz dos discos que acabaram se tornando troféus disputados a tabefe em sebos de discos por aí. Dono de um dos sebos mais conhecidos de Fortaleza, o Discos Antigos, Seu Augusto sabe muito bem disso. “Só consegui pegar o primeiro e já tem uns cinco anos. Vendi por uns R$100. Sempre tem gente que procura. Antes do filho dele (Tim Maia) vir falar sobre esse disco, já tinha muita procura. Depois ficou foi mais valorizado”.

>> Discos de Tim Universal Maia (Universal Music. R$159,90)

>> Discos da Coleção Abril

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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