Quando ouvi pela primeira vez uma música de Teresa Cristina, me impressionou a naturalidade e simplicidade do seu canto. Diante do jeitinho tímido, discreto e sem afetação, se acomodava um som ancestral guardado durante décadas pelas grandes divindades do samba. Não por acaso, foi dali que veio os comentários de que ela seria ponta de lança de uma geração de novos sambistas que estariam renovando o estilo mais brasileira da nossa canção. Apesar de toda a pompa e responsabilidade, Teresa Cristina está longe do que se entende como uma estrela. Delicada, engraçada e emocionada, ela fala como se lhe conhecesse há muito tempo. Talvez o mesmo dom que a fez se tornar uma das maiores cantoras da música brasileira dos últimos anos. Numa conversa por telefone dividida em dois momentos, ela falou com o DISCOGRAFIA sobre carreira, família, ídolos e e samba. Foi mais de duas horas de bate-papo, às vezes interrompidos pelo sinal do celular que caía ao atravessar um túnel ou quando ela pedia um minuto pra comprar um suquinho. Sem problemas. Era só ligar novamente e ela continuava sem pressa. A entrevista a seguir aconteceu uma semana após o show da cantora no Carnaval de Fortaleza. Ainda atordoada com uma série de coisas que aconteceram enquanto ela estava no palco, foi daí que começou nossa prosa.

DISCOGRAFIA – Queria começar com você me dizendo como foi o show em Fortaleza, no Carnaval.

Teresa Cristina – Olha, foi um show diferente. Como era o último dia de Carnaval, fui fantasiada. Esse foi meu primeiro erro. Antes de entrar no palco, eu olhava nas ruas e não via ninguém de fantasia. Mas, foi uma viagem sem volta. Me fantasiei de Sandy Devassa. Tava de peruca loira, meia arrastão. Isso acreditando que era um baile de Carnaval. Quando olho a plateia, tinha uma briga enorme. Se é no Rio, que eu conheço as pessoas, eu paro o show. Só que aqui, eu entrei cantando e pensei “se eu parar, vou dar mais assunto”. Junto com a briga, tinha um cartaz pelo passe livre. Gente, quem vai reivindicar isso num dia de Carnaval? Já fui de DCE (Diretório Central dos Estudantes), mas quem é que vai chamar atenção pra qualquer coisa política no Carnaval?

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DISCOGRAFIA – Mas os problemas pararam aí?

Teresa Cristina – De fato, meu único erro foi ir fantasiada. Aí veio um sujeito pra beira do palco e ficou esfregando o dedo nos braços dizendo que eu era preta. Ele dizia que eu tinha que dar valor à minha cor e que tinha de tirar a peruca. Falei a ele que não iria tirar a peruca, até por que ela tava presa por vários grampos. Ele achou que eu estava negando a minha raça. Eu me diverti por que achei uma ignorância muito grande. Fazia caras e bocas pra ele. Esse cara me chamou mais atenção por que ficou gritando. Eu tenho que me divertir com isso. Foi incomum, claro que isso foram duas ações isoladas. Depois, no twitter, pessoas reclamaram que a guarda municipal estava batendo nas pessoas. Do jeito que foi, foi muito arbitrário.

DISCOGRAFIA – Essa não foi sua primeira vez em Fortaleza?

Teresa Cristina – A única vez que cantei em Fortaleza foi num Projeto Pixinguinha, em 2005. Fui com o Grupo Semente, Monarco e Roque Ferreira. O show foi no Dragão do Mar, que mar tem um muro de gente na frente. Nesse show, levei a lembrança do carinho do cearense com o samba e pela quantidade de vascaíno que tinha na platéia, e eu sou vascaína. Este ano (2011), cantei todas as coisas que eu gosto, minha música, samba enredo, Noel Rosa, Mário Lago. Foi mais rico musicalmente. Tentei mostrar um pedacinho do carnaval do Rio. Espero que eu possa voltar logo.

DISCOGRAFIA – O que aconteceu mudou sua impressão sobre a cidade?

Teresa Cristina – Sou a favor de toda manifestação política. Só eles estarem podendo fazer, já é sinal de que tem espaço pra isso. Sei que existe muita intolerância por aí. E a gente acha realmente que pode mudar o mundo. Mas, vai ficando mais velho e fica um pouquinho mais sábio também. Eu fui do DCE da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Já gritei na cara de muita gente. E o que aconteceu aí não mudou em nada o show. Minha vontade de estar ali foi tão grande que, pra mim, fez parte. Não mudou em nada a visão que eu tenho do Ceará. Fiquei um ano esperando esse show.

DISCOGRAFIA – Falando um pouco da sua carreira, você surgiu junto com uma série de artistas que trouxeram novos ares ao samba e com um processo de revitalização da Lapa. Como anda essa cena de sambistas no Brasil e na Lapa hoje?

Teresa Cristina – Tem uns 10 anos que tenho visto pela mídia essa redescoberta do samba. O samba ta num lugar que ele sempre ocupou. O samba e o baião não músicas muito ricas que se dividem em muitas outras. Esses berços, o samba e o baião, são o berço da música brasileira. Dificilmente você vai achar algo que não venha desses dois lugares. Antes, as pessoas tinham vergonha de dizer que gostavam de samba. Hoje, quando as novelas fazem trilha sonora, é um disco nacional, um internacional e outro de sambas. Essa divisão não me agrada, mas é legal saber que precisa do samba pra chagar a algumas camadas. Se dão atenção ao samba é porque tem procura pra isso. Antes, misturava com o preconceito que existia com o Carnaval.

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DISCOGRAFIA – E pra você, o que esses três dias representam?

Teresa Cristina – Esses dias são primordiais pra minha vida. O povo brasileiro trabalha muito, além de também ouvir música desde cedo. As pessoas não gostavam dessa coisa de país do Carnaval e do futebol. Se fosse na Finlândia, isso seria deprimente. Mas sendo o pentacampeão mundial e com o espetáculo que é o carnaval do Rio, da Bahia, de Fortaleza, tem que aprender a ter orgulho do que é nosso. Não é que vamos viver disso, mas… São coisas que estão no meu código de identidade. Na hora de falar com outro país, é algo que é sempre lembrado. É uma questão de identidade cultura. Acho muito legal essas pessoas, Roberta Sá e o D2, estão trazendo pro samba pessoas que o samba não tinha. O samba ta vivendo um momento importante, é bom as pessoas saberem disso.

DISCOGRAFIA – Antes de ser cantora, você trabalhou como auxiliar de escritório, vendedora de margarina. Onde começa sua ligação com a música? Quais as primeiras canções ou vozes que você ouviu?

Teresa Cristina – Minha mãe ouve música desde que eu sou pequena. Tenho uma relação com o trabalho do Roberto Carlos, dos anos 80 pra trás, que é muito forte. Meu pai era de escola de samba e também ouvia muita música. Tinha ainda Tim Maia, Chico Buarque, aquele disco Construção. Com 15, 16 anos virei metaleira. Ouvia muito Van Halen e Iron Maiden.

DISCOGRAFIA – E ainda ouve rock?

Teresa Cristina – Ainda gosto, esses dois músicos especialmente. Depois fui me dedicar a pesquisar o samba, com 25 anos. Um dia, um amigo de faculdade me mostrou um disco do Candeia, que meu pai tinha. O Candeia foi um cara importante pro samba, um guerreiro. Quando eu ouvi, pensei “e vou fazer um show só com músicas do Candeia”.

DISCOGRAFIA – Mas você já cantava?

Teresa Cristina – Não! Não cantava, mas fiquei tão atordoada com esse disco, que quis fazer um show sem ser cantora. Louco isso, né? Eu era casada com o (músico) Bernardo Dantas, que era de um grupo que fazia muitas misturas com o samba. Fiquei tão emocionada em ver aquele disco. Quando meu pai ouvia, eu debochava. Eu achava que era coisa de gente velha. Eu gostava muito da cultura americana e, quando ouvi esse disco, me deu uma vergonha tão grande que eu tinha que dizer isso ao meu pai de alguma forma.

DISCOGRAFIA – E assim você começou a cantar.

Teresa Cristina – Eu fiquei com tanta vergonha de ter debochado dele, que eu queria… Eu queria era agradar meu pai. Do Candeia, eu conheci o biógrafo do Candeia (João Baptista Vargens) que me apresentou a Wilson Moreira e Velha Guarda da Portela. Foi bom porque eu conheci os músicos que tocaram com o meu pai.

DISCOGRAFIA – E como foi quando seu pai lhe cantando a primeira vez?

Teresa Cristina – Já. O meu pai ficou emocionado e fica até hoje.

DISCOGRAFIA – Mas e o show do Candeia, como foi?

Teresa Cristina – O show do Candeia nunca aconteceu, não consegui patrocínio. Mas conheci o (grupo) Semente, fui chamada pra cantar no bar Semente, na Lapa. Comecei a conhecer várias músicas e comecei a ganhar repertório. No começo, meu repertório era bem pequeno.

DISCOGRAFIA – Você vem sendo muito elogiada desde o início da carreira pelo jeito old school de fazer samba. Pela mesma leveza dos grandes mestres. Isso foi intencional?

Teresa Cristina – Era sem enfeite por que eu não sabia enfeitar. Nunca estudei canto. Fazia o feijão com arroz que eu sabia. Minha mãe sempre dizia que a gente tem que fazer o que sabe fazer bem. Eu sei cantar retinho e canto retinho bem. Não sei cantar com vibrato.

DISCOGRAFIA – Seu primeiro trabalho solo como cantora foi um tributo ao Paulinho da Viola. Como nasceu esse projeto? Foi positivo se lançar primeiro como intérprete?

Teresa Cristina – O João Augusto me ouviu e me convidou para a (gravadora) Deckdisc. E eu dizia “não me chama de sambista por que se eu encontrar o povo do samba vou morrer de vergonha”. Até brinco dizendo que minha vida é ac/dc. Antes do Candeia e depois do Candeia. E quanto a começar como intérprete, foi bom sim por que foi como intérprete do Paulinho. Eu gostei tanto… Como eu gostei de fazer aquilo. Tive que cair na obra dele. Imagina alguém lhe dizer que seu trabalho é ouvir os discos do Paulinho da Viola. Pra início, eu ganhei todos os discos dele. A única coisa que doeu mais foi selecionar as músicas. Ainda bem que foi um CD duplo.

DISCOGRAFIA – E o que foi o melhor de realizar esse projeto?

Teresa Cristina – Essa homenagem pro Paulinho precisava acontecer. Ele não tinha um songbook. Foi legal porque os discos saíram com as partituras. Foi lindo. Acredito que ele tenha gostado. Já entrei na música cantando um cara que sabe tudo disso. A elegância do Paulinho… Ele é um poeta, um cronista. Pra mim o Paulinho e a cor azul sempre vai. Ele é muito importante e ao mesmo tempo, quando você encontra com ele essa importância não existe. O Paulinho tem medo da gente!

DISCOGRAFIA – Somente no quarto trabalho (Melhor assim), você se mostrou de fato como uma compositora. Como nasceram essas canções do disco?

Teresa Cristina – Eu estudava literatura inglesa e minha influencia era toda americana. Um dia o mesmo amigo que me deu o disco do Candeia, veja só, me perguntou por que eu não trocava literatura inglesa pela brasileira. Troquei e comecei a ler Machado de Assis, Saramago. Comecei a compor no final de 1997. A minha primeira composição foi só uma letra que fiz em cima de um ponto de candomblé. Pedi licença no centro pra fazer uma nova letra para um ponto da Vovó Cambinda que virou “Demora não”. Como não sabia que sabia fazer as duas coisas, aproveitei uma melodia e coloquei outra letra.

DISCOGRAFIA – E depois dela?

Teresa Cristina – Depois fui chamada para o projeto A Cria, no Planetário da Gávea, e eu só tinha essa música. Fiz três músicas pra esse projeto: Candeeiro, Pedro e Teresa e uma que era meio forró. A partir dessas músicas fui fazendo outras. Depois eu ficava o medo de acordar e não saber fazer mais música. Cada vez vai ficando mais difícil.

DISCOGRAFIA – Mais difícil?!

Teresa Cristina – É por que a gente sempre acha que a música já existe. Tem umas paranóias. Depois que fica pronto, é como um filho. Dá vontade de ficar cantando o tempo todo.

DISCOGRAFIA – Por falar em filho, você já é mãe. Já fez alguma música pra ela?

Teresa Cristina – É, sou mãe da Lorena, de dois anos. Acho que todas são pra ela. Ela é o meu mundo.

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DISCOGRAFIA – Mesmo se mostrando mais como compositora, você nunca deixou de gravar como intérprete. Tem vontade de lançar um novo trabalho somente como intérprete? Será a vez do Candeia?

Teresa Cristina – Esse disco do Candeia em alguma hora vai ter que acontecer. É uma ideia tão abençoada, que formou a minha vida. Eu devo isso ao meu destino. Hoje, já da mais vontade de correr atrás. Mas, tem alguns compositores que eu gostaria de fazer que, olhando pelo lado frio do mercado, o que eu penso o mercado não pede. É assim que eles (gravadoras) dizem. Eu gostaria de gravar Chico Buarque, por que é um compositor que me emociona muito. Tudo dele eu gosto bastante. Só em saber que ele vai gravar um novo disco, já fico emocionada. Eu ouço uma e adoro e fico ouvindo direto, depois passo pra outra. O Roberto Carlos também, pela minha mãe. O Roberto é o artista que me ensinou a cantar. Isso teria um valor sentimental muito grande. Mas nem sei se para o mercado… Não sei se seria a melhor coisa a fazer.

DISCOGFRAFIA – Quem é ou foi o melhor compositor de samba de todos os tempos?

Teresa Cristina – Que perguntinha, hein?! Como sua pergunta foi bem safada, vou lhe dar uma resposta bem safada. (demora e reponde em tom de cuidado) Talvez… Talvez seja o Cartola, mas com esse “talvez” bem garrafal. Digo isso por que ele só tem clássico. O Noel talvez fosse uma boa resposta, mas tem muita coisa dele que eu não conheço. Já escolho o Cartola, não por que ele seja melhor que os outros, mas acho que é mais pela força do que ele fez. Eu não conheço um lado B do Cartola.

DISCOGRAFIA – Em suas viagens pelo mundo, onde é a melhor recepção ao samba e ao seu trabalho?

Teresa Cristina – É excepcional. A melhor possível, com o maior respeito possível. Certa vez cheguei na Bulgária, tinha uma garota que cantava tudo em português, sem falar uma palavra em português. Ela ia só pelo som, como nós fazemos no inglês. Ela ia do Tom Jobim ao disco novo da Maria Rita. Eu não imaginava nunca aquilo. Quando ouvi disse “pára tudo, o que é isso?”. Fui pelo Itamarati e teve um recepção num espaço muito bonito. O ponto alto era essa cantora búlgara e eu pensava “legal, enfim vou conhecer a música búlgara”. Que nada (risos).

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DISCOGRAFIA – Pra encerrar, queria saber seus próximos planos?

Teresa Cristina – Meu primeiro plano, não tenho ainda certeza do que vai ser. Não sei se vai ser mais intérprete. Fiz algumas músicas com a Karina Buhr, mas não são sambas. Tenho me encontrado com a banda de rock Os Outros e temos feito algumas coisas. Mas também tenho feito muitos sambas. Esse ano é pra trabalhar à beça. Tomara que essa seja a tônica do ano. Não tenho aquela urgência de ter que estar com a Lorena o tempo todo. To catando as ideias pra um novo disco e quero poder falar sobre esse disco com vocês quando ele estiver pronto.

(Após os agradecimentos, ela pede um sclarecimento

Teresa Cristina – Olha, só queria que tudo que eu falei sobre o show, em nenhum momento vai me afastar ou me deixar com outra impressão da que eu tenho de Fortaleza. Eu vi no Twitter, as pessoas estavam falando “tomara que ela queira voltar ao Ceará”. Acho que o Ceará, como o Maranhão, a Bahia, tem uma cultura muito forte. Não é um lugar qualquer. E eu quero ir aí não só pra trabalhar, quero ir pra praia.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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