A história de Chico Adnet é longa. Começa no fim dos anos 1970, quando ele fez parte do grupo vocal Céu da Boca. Ao lado de Verônica Sabino, Paula Morelembaum e outros, ele gravou discos, cantou e viajou até que a formação chegasse ao fim, em 1982. Pai antes dos 20 anos, ele precisou seguir a sina do brasileiro e correr atrás de dinheiro. Foi aí que o cantor, pianista e arranjador, ex-aluno de Luis Eça, começou a fazer jingle e se afastou um tanto da música autoral para se dedicar à publicidade, aos jingles. Acontece que em 2011 ele completou seus 50 anos e resolveu se dar um presente: gravar velhas e novas composições. Coisa guardadas, até então, esperando seu momento de ver a luz. Assim nasceu Alma do Brasil que, por incrível que pareça, é o seu disco de estreia. Sim, porque é o primeiro assinado apenas como Chico Adnet (foto de Daryan Dornelles), e não como Céu da Boca. Como quem se acha merecedor de um bom presente, o resultado pode ser considerado luxuoso. Começa pelo belíssimo tratamento gráfico (da Pós Imagem Design) que acompanha o disco. Em cores sóbrias e fotos das gravações, a embalagem revela um pouco do que pode ser ouvido ali, um trabalho sofisticado recheado de cordas, sopros e piano. O som de Adnet é um sobrevoo pela obra de Tom Jobim, Edu Lobo e outros mestres da MPB mais tradicional. Navegante, a primeira das 14 faixas, abre os trabalhos com um melodia triste, antes de passar para uma bossinha esperta com letra evocando uma Cabrocha branquinha. Em tempos politicamente corretos em que tudo parece preconceito, absurdo ou digno de processo, sua ode a uma bela moça de pele branquinha parece um manifesto. A ficha técnica de Alma do Brasil é curiosa pela imensa lista de Adnets, incluindo o ator Marcelo Adnet que divide com o pai Chico e a irmã Luiza o samba-enredo De qualquer maneira. Outra Adnet convidada é Maúcha, ex-vocalista da Banda Nova, que acompanhou Tom Jobim de 1984 até 1994. Ela faz bonito no samba sincopado Olha só. Além dos Adnets, passeiam pelas faixas nomes como Armando Marçal, Sílvia Braga, Marcos Nimrichter, entre outros. Se boa parte das letras repete os clichês da MPB ao falar de natureza e saudade, por outro lado Choro para Luiz Eça é uma bela peça instrumental, com participação de Hamilton de Holanda no bandolim, que remete a Radamés Gnattali. Como nem tudo poderia ser perfeito, o respeito pela tradição deixa o disco frio em alguns momentos, caso de Adeus Brasil e Jurema. As composições do disco remetem a diferentes épocas, posto que ficaram inéditas durante esses trinta anos. As mais antigas são Um minuto apenas, com letra recente do tio Luiz Fernando Gonçalves, e a faixa-título que recebe uma pouco conhecida Clarisse Grova nos vocais e letra curiosa com os versos “outro canto vai se ouvir e vai tocar numa estação do interior do Paraguai. E o ECAD de lá vai mandar recolher”. Esta última, inclusive, deixa clara a presença de Edu Lobo entre seus preferidos. Já a mais nova é Última valsa, que fecha o disco. Feita somente ao piano, já durante o processo de mixagem, revela o pensamento de Chico Adnet sobre sua função como compositor: “Duro é ser compositor e ter que terminar assim a valsa triste que a compositora me encomendou. Quem é a cantora ele não quer dizer, mas é certo que ela perdeu a chance de grava-la”. Ainda sem planos de virar show ou DVD, é certo que Alma do Brasil não traz uma novidade sonora, mas ganha na beleza e na intenção de comemorar o aniversário do artista.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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