Quando o jornalista Lira Neto colocou nas livrarias a ótima biografia Só numa multidão de amores, colocou também a cantora e compositora Maysa Monjardim Matarazzo de volta na memória do povo brasileiro. Esquecida na gaveta das cantoras de dor-de-cotovelo dos anos 70, ela deixou sua história de grande sucesso ser empalidecida. Seu problema com bebidas acabou se tornando maior que a artista gradiosa que ela foi. Mais que uma grande artista, Maysa foi uma mulher de muita coragem. Coragem de se mostrar em canções íntimas e sofridas, coragem de enfrentar o tradicional clã Matarazzo, coragem de assumir as próprias decisões, coragem de ser ela mesma. Pena que, pra compensar tanta luta, ela entornasse algumas dúzias de garrafas de bebidas alcoólicas (de todas as qualidades possíveis) por dia. O resultado de tanto exagero, a morte num acidente de carro em 22 de janeiro de 1977. Como, mais cedo ou mais tarde, alguém faz justiça e reaviva as memórias, Lira Neto registrou num excelente livro a história tragicômica da cantora e, por conseguinte, provocou um interesse que gerou minissérie de TV, outros livros e muito tributos. Um dos tais tributos chega às lojas pela gravadora Lua Music. Gravado no fim de abril de 2008, só agora chega em formato CD o show Uma noite para Maysa,  que reuniu dez artistas no palco do teatro do Sesc Vila Mariana, incluindo o pianista Hanilton Messias, o violonista Ronaldo Rayol e o baixista Eric Budney. Com forte presença de cantores já com bastante estrada, o disco é quase infalível e nasceu dos shows de divulgação de um outro tributo, Maysa – Esta chama que não vai passar, lançado em 2007 pela Biscoito Fino. Pra começar, a classuda Célia emenda Ouça e Demais, com resultado no mesmo nível de sua voz. Em seguida, Cauby Peixoto conta um pouco da sua história de amizade com Maysa, antes de dividir Por causa de você, com o violonista Ronaldo. Como sempre, Cauby arrasa. A bola só cai quando Cláudya exagera nos improvisos de Preciso aprender a ser só e Eu e a brisa. Mais contida, Cida Moreira dá amedida exata para Chão de estrelas. Cida é uma das melhores cantoras brasileiras e, por ter um público restrito, tem liberdade de manter uma carreira coesa. Já Arnaldo Antunes soa deslocado em Meu mundo caiu. Sua voz apocalíptica parece destoar das demais, embora a intensão seja boa. Voltando aos bons momentos, Claudette Soares parece sussurrar em Resposta, um dos momentos mais confessionais da compositora Maysa, e O barquinho, de Roberto Menescal e Ronaldo Boscoli. O resultado é bem bom e digno de quem conheceu os melhores momentos da Personalíssima. O encerramento das 11 faixas do disco é com a intensa Alaíde Costa em Dindi, do mestre Tom Jobim e Aloysio de Oliveira, e Morrer de amor, de Oscar Castro Neves e Luvercy Fiorini. Esta última, especialmente, cai como uma luva da voz sofrida de Alaíde. São menos de 40 minutos de homenagem. Pouco para uma mulher como Maysa, mas o suficente para que ela continue descansando em paz.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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