Já é comum entre os compositores aproveitar a inspiração de um novo relacionamento para transformar tudo em música. Curiosamente, o inverso também existe. Muitos discos e canções nasceram de amores defeitos. Sejam trágicos ou serenos, regados a whisky ou cerveja, muitos términos também viraram música. E esse foi o caso de Que isso fique entre nós, terceiro disco do cantor e compositor paulistano Pélico.

Após uma despedida com sabor de dramalhão, daquelas com direito a mala na calçada e panela voando, o cantor decidiu dar um tempo viajando para se livrar das lembranças. Durante uma parada de 40 dias em Buenos Aires, ele começou a escrever canções sobre o passado e moldar o que viria a ser o Que isso fique entre nós. Apesar do tom pesado adotado no término, o disco caminha pela lado da delicadeza. Os arranjos cheios de sopros e a voz intimista do cantor parecem querer deixar tudo esclarecido, apagar mágoas e apertar os últimos nós. “Pode apostar, não há por que tanta mágoa assim se ainda não é tempo de chorar”, diz ele logo na abertura.

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Neto de seresteiro e filho de um casal de músicos que costumava tocar na igreja, Pélico cresceu ao pé do radinho de pilha ouvindo de tudo, desde os hitmakers dos anos 80 até o onipresente Roberto Carlos. Isso lhe deu gosto pelas músicas simples, diretas e até aparentemente banais. Chegou a se virar como office-boy e vendedor de tecidos antes de, aos 17 anos, começar a trabalhar num estúdio. “Isso foi essencial pra minha formação musical, porque tive a oportunidade de ver grandes profissionais compondo, fazendo arranjos e produzindo discos”, lembra em entrevista por email.

Nessa época, Pélico já tinha algumas composições aguardando pra ver a luz do dia. Em 2001, ele lançou o EP Suburbano. Dois anos depois foi a vez do disco Melodrama, com composições, arranjos e produção próprios. Mais um EP em 2006, e em 2008 vem o roqueiro e passional O Último Dia de Um Homem Sem Juízo. “Eu estava numa fase muito ligada à estética do rock. Também estava passando por um momento bem difícil na minha vida pessoal, talvez por isso a escolha desse nome, o conteúdo das letras, o sarcasmo, o inconformismo. Eu estava bebendo muito nessa época. Não sei, talvez só eu veja isso, mas eu sinto uma certa embriaguez no disco. Mas eu gosto muito do resultado”, revela.

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Passada mais essa turbulência, veio o novo Que isso fique entre nós. O disco é um apanhado de 14 faixas de próprio punho – apenas duas trazem parceria – que contam com instrumentos distantes do pop, como fagote, clarinete ou banjo. Ainda assim, não se trata de um disco para eruditos. A produção de Jesus Sanchez deu unidade a letras e melodias melancólicas, sem deixar o clima deprê. Vamo tentá, por exemplo, é roquezinho animado e esperançoso por uma nova chance. Levarei é um cruzamento de Cidadão Instigado com Odair José. Tenha Fé, meu bem é um hula-hula sobre saudade.

Dando unidade ao disco também está a voz rouca e sentimental de Pélico. Com um toque de tristeza e urgência, ela lamenta em Não vou te deixar, por enquanto ou Não éramos tão assim. “Gosto de interpretar minhas músicas, fazer uma versão de outro compositor, mas sempre procuro cantar do jeito que posso. Sempre me identifiquei com aqueles que cantam na raça”. Mesmo confessando que a melancolia não era o propósito do disco, ele faz de “Que isso fique entre nós” uma carta aberta aos pais, amigos e ex-amores. E deixa claro que vai passar por todos os turbilhões com a ajuda da música.

DISCOGRAFIA – Começando pela sua história, sei que antes da música você fez vários outros trabalhos. Queria que você começasse falando sobre essa época. Quando e como foi a primeira vez que você ganhou algum dinheiro com música?
Pélico –
É, antes de trabalhar com música eu fui office-boy e vendedor de tecido. Passei rápido por essas duas profissões e aos 17 anos comecei a trabalhar num estúdio. Isso foi essencial pra minha formação musical, porque tive a oportunidade de ver grandes
profissionais compondo, fazendo arranjos e produzindo discos. Nessa época eu já tinha algumas composições, mas só fui gravar meu primeiro EP em 2001. Depois de dois anos eu gravei meu primeiro CD, nos anos seguintes alguns EPs e em 2008 eu lancei o
CD “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo. Só depois do lançamento desse disco, é que eu vi alguma graninha pingar no meu bolso. Não que eu tocasse de graça antes disso, mas o cachê mal pagava os músicos que me acompanhavam, por isso eu sempre
tive um outro emprego que financiasse minha carreira.

DISCOGRAFIA – Como neto de seresteiro, você é filho de uma família musical?
Pélico –
Profissionalmente só meu avô paterno é quem foi músico. Mas meus pais são muito musicais, quando jovens, minha mãe tocou órgão e meu pai saxofone na igreja.

DISCOGRAFIA – Qual foi seu primeiro canal para conhecer música? O que ouvia? Quais são suas lembranças musicais mais antigas?
Pélico –
Sempre teve muita música em casa, de Tião Carreiro & Pardinho a Nat King Cole. Mas minha lembrança mais remota é o sonzinho do rádio que minha mãe ouvia. Ela costurava e eu ficava ali em sua sala de costura brincando. Lembro de ouvir Roberto Carlos, Guilherme Arantes, Nelson Ned, Lulu Santos e vários outros artistas populares que tocavam na rádio no início dos anos 80.

DISCOGRAFIA – Quais são as principais referências do seu trabalho?
Pélico –
Tenho uma identificação com compositores que fazem música de forma simples, direta, visceral e até mesmo aqueles que pareçam ser banais. Gosto dos incoerentes. Tenho pavor de compositores acadêmicos.

DISCOGRAFIA – Ao mesmo tempo que as gravadoras andam sofrendo com a pirataria, muitos novos artistas vêm lançando discos novos. Queria que você falasse sobre o lançamento e a recepção a este “Que isso fique entre nós”.
Pélico –
A pirataria é um problema da indústria e, claro, não devemos menosprezá-la, mas isso não deve impedir a produção artística. Antes de lançar o “Que Isso Fique Entre Nós” eu pensei duas vezes antes de oficializar o download gratuito. Hoje tenho certeza que fiz a melhor escolha. Mesmo com o download gratuito, o CD – 3 meses após o lançamento – já está indo pra segunda edição. Isso mostra que a prática de “doar música” prejudica a venda de CD não é regra. A crítica recebeu muito bem o disco, mas o que me deixa mais feliz são as mensagens que as pessoas me mandam, ou dizem depois de um show e tal. Já vieram me falar: –
Pô, a música “Recado” é tudo aquilo que eu queria dizer pro meu namorado. Um outro: – Quando me separei da minha mulher, eu praticamente declamei a “Vamo Tentá”. Uma outra garota: – Seu disco é tão minha pseudo-vida-amorosa. Enfim, depoimentos
como esses são os melhores elogios que um compositor popular pode receber, na minha opinião.

DISCOGRAFIA – Este é seu terceiro trabalho. Como foram os anteriores? O que eles tem de semelhante e diferente com o novo?
Pélico –
O primeiro CD “Melodrama” é um resumo dos meus primeiros anos como compositor. Eu fiz a maioria dos arranjos e a produção, então eu acho que é mais um laboratório. O segundo “O Último Dia de Um Homem Sem Juízo”, eu estava numa fase muito
ligado a estética do rock, também estava passando por um momento bem difícil na minha vida pessoal, talvez por isso a escolha desse nome, o conteúdo das letras, o sarcasmo, o inconformismo. Eu estava bebendo muito nessa época. Não sei, talvez
só eu veja isso, mas eu sinto uma certa embriaguez no disco. Mas eu gosto muito do resultado. Com o novo eu volto à simplicidade das canções, a abordagem direta nas letras, a escolha de novos instrumentos, o Bruno Bonaventure fazendo arranjos pra metais e
madeiras, uma nova concepção do produtor (Jesus Sanchez – que também produziu o anterior). Acho um disco mais sereno. O que eles têm de semelhante? Acho que a busca da sinceridade nas canções.

DISCOGRAFIA – Seu disco conta com a participação de muitos músicos, mas você também tem apresentado ele com um formato mais intimista, só você e um instrumento. Como são esses dois formatos de show? Tem um preferido?
Pélico –
Na verdade, tenho quatro formatos de show: voz e violão; voz, violão e sanfona; voz, duas guitarras, sanfona, piano elétrico, baixo e bateria; e um outro formato com dez integrantes – incluindo metais e madeiras – onde eu tento levar pro palco a sonoridade do disco. Cada formato tem seu charme, gosto de todos. Tento me adaptar ao espaço e ao público, claro que tem a questão financeira também, mas faço o possível pra não deixar de tocar.

DISCOGRAFIA – Por falar em banda, gostaria que você falasse da sua, que inclusive conta com o meu conterrâneo Régis Damasceno.
Pélico –
Me considero um cara privilegiado em poder tocar com uma banda tão talentosa. Sou muito grato a minha banda. Eles são muito generosos e foram decisivos pro resultado do disco. Sim, Régis Damasceno toca comigo. Ele é um dos melhores músicos que já vi tocar. É impressionante a sua criatividade e precisão. Fora que ele toca numa das bandas mais sensacionais do Brasil. Fui e sou muito influenciado pelo Cidadão Instigado.

DISCOGRAFIA – Na apresentação do seu disco novo, a Tulipa comenta seu trabalho como cantor. O que você mais gosta: cantar, tocar ou compor?
Pélico –
Fiquei emocionado com os comentários da Tulipa, ouvir isso de uma grande cantora é um presente. Na verdade, nunca tive pretensões de ser cantor e nem me considero. Gosto de interpretar minhas músicas, fazer uma versão de outro compositor, mas sempre procuro cantar do jeito que posso. Sempre me identifiquei com aqueles que cantam na raça. (hahaha). Não sei qual dos três eu mais gosto. Compor é uma necessidade e, que às vezes, é até dolorido. Tocar e cantar é o mais divertido, é a troca de energia com o público e é nessa hora que você mostra o porque de seguir uma carreira artística.

DISCOGRAFIA – Seu disco é cheio de homenagens bem íntimas, como Minha dor, feita para sua mãe, e O menino, para o pai. Se jogar desta forma nas canções deixa o ato de compor mais fácil?
Pélico –
Depois de alguns anos compondo você acaba procurando outras formas de compor e nesse disco eu tentei ir à fundo em algumas questões. Acabei descobrindo que componho com mais facilidade quando abordo temas difíceis para mim. Não ter medo
da exposição foi o melhor exercício, em relação às letras, desse disco.

DISCOGRAFIA – Essas duas músicas parecem trazer um pedido de desculpas nas entrelinhas. É isso?
Pélico –
Não sei se de desculpas, acho que foi uma coisa de demonstrar atenção, tipo: – Olha, eu me preocupo com vocês. Estou há algum tempo fora de casa, mas os seus problemas me interessam.

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DISCOGRAFIA – “Que isso fique entre nós” tem uma dose forte de melancolia, mais nas letras que no som. Isso foi intencional? Você é uma pessoa melancólica?
Pélico –
Não foi intencional, são temas que faziam parte da minha vida naquele momento. Não me acho melancólico, mas é difícil dizer, né? A gente nunca sabe se realmente somos aquilo que achamos ser. Enfim, não me importo, gosto de ser confuso.

DISCOGRAFIA – Quais são seus planos agora?
Pélico –
Quero trabalhar bastante na divulgação do disco, tocar em outras cidades e gravar um clipe. Acho que até o final do ano terei um clipe na mão.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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