Do outro lado da linha, uma música alta impede a conversa de seguir normalmente. “Adoro Maria Callas, música cubana. Sou muito salseiro, sabe? Misturo tudo numa porralouquice só”. Aliás, porralouquice poderia ser o sobrenome de Edivaldo Araújo de Souza. Cantor, pintor, ator, diretor, figurinista, apresentador são só algumas das funções que esse baiano de Juazeiro assumiu ao longo dos seus 74 anos. O mais curioso é que ele parece misturar tudo ao mesmo tempo. A vida para ele é um palco constante. Por isso mesmo, precisava de um nome mais pomposo para assinar. Foi aí que nasceu Edy Star.

Sobrevivente da loucura criativa da década de 1970, Edy fez fama por onde passou usando sua vasta cabeleira, suas calças coladas ao corpo malhado, sua maquiagem pesada e seu rebolado irrefreável. Depois de quase 20 anos morando na Europa, onde foi morar “pra não morrer de fome”, ele está de volta ao Brasil para relembrar que ainda existe vida fora do politicamente correto. Isso ele prova ao longo das 13 faixas de Sweet Edy, seu primeiro e único disco relançado em CD depois de 38 anos pela Joia Moderna.

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A “licença poética” feita pela gravadora exclusiva das cantoras se explica pelo fato de Edy Star ser um dos primeiros artistas assumidamente gays do Brasil. Aliás, gay não, por que ele odeia essa palavra. É bicha mesmo. “Em programa de auditório, descobri que o público adorava quando eu fazia bicharia no palco. Na rua era outra coisa, coçava até o colhão”, lembra o brigão que, quando mais jovem, sentava o braço ou passava a navalha em quem viesse tirar piada com seu estilo. Aliás foi justamente esse jeitão que lhe rendeu o apelido de “Bofélia, a bicha mais bofe”, dado pelo amigo Raul Seixas.

Engraçado, teatral, escrachado, Edy Star fez o que pode pra botar mais da sua personalidade explosiva em Sweet Edy. Pra isso, recorreu aos amigos pedindo músicas inéditas para gravar. E que amigos. Erasmo, Roberto, Caetano, Mautner, Leno foram alguns dos colaboradores. Gonzaguinha, Zé Rodrix e Luiz Melodia também se dispuseram, mas ficaram de fora do disco por conta da censura federal. Gilberto Gil, amigo com quem foi preso por vadiagem, lhe homenageou com o rock Edyth Cooper (“Edyth Cooper faz minha vassoura voar”). “Eu sempre pensei: ‘como o disco não vai vender, vou fazer do meu jeito’”, lembra ele orgulhoso por ouvir de Paulinho da Viola que sua versão para Esses Moços (Lupicínio Rodrigues) é a melhor já ouvida pelo sambista.

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Embora não tenha gostado muito do resultado logo que ouviu em 1974, Edy Star confessa que ficou bem emocionado ao ver o relançamento luxuoso de 38 depois. “Fiquei uns dez minutos olhando, sem ter coragem de abrir”, admite. Principalmente, por que muita gente vai lembrar que ele não é só o cara que dividiu com Raul Seixas, Miriam Batucada e Sérgio Sampaio o mítico Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10. “Foi um disco que não influenciou minha carreira. O Raul mandou me chamar por que eu tinha um programa de TV e já era conhecido”, explica antes de elogiar o trabalho coletivo lançado em 1971. “Acho um disco contemporâneo que cumpriu a finalidade dele. Um divisor de águas”.

Apesar desses dois LPs hoje serem um tesouro perdido em alguns poucos sebos pelo mundo, nenhum chegou a render muito dinheiro para Edy. Como ele achou Sweet muito comportado para seu padrão de qualidade, preferiu não cantá-lo em shows. Quanto a Sessão das 10, foi a própria gravadora que decidiu não fazer divulgação. Edy então foi se dedicar mais ao teatro. Chegou a trabalhar oito meses em Fortaleza, de onde levou uma grande amizade com a humorista Rossicléa. Em 1992, cansado de bater cabeça atrás de trabalho, partiu para a Europa para atuar como apresentador num cabaré de strip-tease.

Elétrico, como se fosse ligado a uma tomada, nem um câncer de próstata há quatro anos o afastou dos palcos. Agora que ele descobriu que é um artista cult e que seus LPs chegam a ser vendidos por até R$500, ele já planeja uma continuação de Sweet Edy. O novo disco ainda não tem prazo, mas já começou a ser desenhado. Além de incluir as faixas que foram cortadas pela ditadura, vai trazer participações de velhos amigos como Cauby Peixoto, Emílio Santiago e Caetano Veloso. “Esse relançamento é uma oportunidade de trabalhar em cima da minha figura. Eu sou Edy Star, não o cara que trabalhou com o Raul”. E que venham mais canções, transgressões, plumas e paetês.

Sociedade do espetáculo

Para muitos fãs de Raul Seixas, Edy Star é reconhecido como o único sobrevivente do disco Sociedade da Grã-Ordem Kavernista apresenta Sessão das 10. O disco lançado em 1971, foi um projeto idealizado por Raul Seixas, então produtor musical da CBS, que passou batido pelo público da época por que não teve apoio pra divulgação. Reunindo uma turma de malucos que incluía Edy Star, Sérgio Sampaio (1947 – 1994) e Miriam Batucada (1947 – 1994), Raul montou uma espécie de ópera rock homenageando Beatles e Frank Zappa. Curiosamente, na época que gravou Sessão das 10, Edy nem assinava como “Star”. Mas a gravadora implicou com o fato de Raul se lançar como cantor e mandou recolher os discos das prateleiras. Como resposta, o Maluco Beleza pediu demissão e foi tocar a própria carreira.

Em 2009, Edy Star, já morando na Europa, recebeu um convite para participar da Virada Cultural paulista cantando todas as músicas desse disco, que agora era um clássico. Com sua performance hipnótica e sua voz poderosa, ganhou o público de tal forma que acabou voltando ao evento por mais dois anos seguidos. Com o relançamento de Sessão das 10 no ano passado, toda a carreira discográfica de Edy Star ficou disponível nas lojas. É só adquirir um e viajar para os tempos do desbunde total.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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