“Você viu só que amor. Nunca vi coisa assim. E passou nem parou, mas olhou só pra mim”. Os versos de Samba de Verão foram lançados em 1964 e logo atingiram o topo das paradas internacionais. Com uma carioquice despretensiosa, a bossa falando de uma rápida troca de olhares colocou os compositores Marcos e Paulo Sérgio Valle no primeiro time da MPB. Pra se ter uma ideia, Samba de Verão e Garota de Ipanema são as músicas brasileiras mais regravadas no exterior. Segundo as contas do autor, a primeira já passa das 500 versões.

Ainda assim, já tinha um tempo boa parte do trabalho dos irmãos Valle estava fora de catálogo no Brasil. Esse jogo só começou a virar no ano passado, quando chegou as lojas o box Marcos Valle Tudo (EMI) com toda a produção do compositor carioca lançada desde a estreia com Samba demais (1963) até No rumo do sol (1974). Em 2012, uma nova caixa chegou às lojas com o nome Marcos Valle 80 (Discobertas), agregando os discos Vontade de rever você (1981), Marcos Valle (1983) e Tempo da gente (1986). Este último estava praticamente esquecido, desde que a gravadora Arca Som fechou as portas.

“Ta tudo voltando, o que é muito bom. Isso me dá incentivo, por que eu gosto muito de estar trabalhando”, comemora o compositor em entrevista por telefone. De sua casa no Rio de Janeiro, ele se orgulha, citando disco por disco, de ter uma obra que passeia por tantos estilos. Lançado numa segunda leva de compositores bossanivistas, Valle também se notabilizou como um dos nomes do soul, da música de protesto e do jazz. “Essa mistura de estilos sempre esteve na minha música. No começo a influência da Bossa foi muito forte, mas, a partir do segundo disco, a coisa começa a mudar”.

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E, quando começou a mudar, não teve volta. Pianista virtuoso, a facilidade de Marcos Valle para agregar estilos se tornou uma marca registrada numa carreira que já dura quase 50 anos. Mais ainda depois que ele morou nos Estados Unidos, no intervalo entre 1975 e 1980. Cansado da “encheção de saco” dos militares que lhe cobravam explicações por canções como Viola enluarada (“a mão que toca o violão, se for preciso, faz a guerra”), achou melhor sair do País e, por lá, gravou com a diva Sarah Vaughan (num tributo aos Beatles), colaborou com a banda Chicago (para quem compôs Life is what it is) e conheceu Leon Ware (ícone do soul com sucessos gravados por Michael Jackson e Marvin Gaye).

De volta ao Brasil, atendendo um convite da Som Livre, Marcos Valle levou um ano para montar o ensolarado Vontade de rever você. Recheado de teclados e dos parceiros ilustres da América do Norte, o disco era um prenúncio do estilo mais dançante que dominaria os trabalhos do carioca naquela década. Tanto que, em 1984, ele garantiu um espaço nas rádios com os sucessos falando sobre o culto ao corpo, como Bicicleta e Estrelar. “Nessa época, tinha gente que me parava perguntando se eu tinha uma academia”, se diverte o compositor que chegou a posar junto a um monte de sucos naturais para a capa do seu disco de 1983.

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Os anos 1990 chegaram para Marcos Valle trazendo mais novidades. Com a ajuda da cantora Joyce Moreno, ele começou a conquistar a Europa e a Ásia, que retribuíram colocando seus sons mais balançados nas pistas. “Meu público lá é muito jovem. Esse público elegeu sucessos como Os grilos e Freio aerodinâmico, músicas mais grooviadas que pegaram eles em cheio, tanto quanto o Samba de Verão”, comenta. Outra mudança veio com a entrada de novos parceiros na sua lista, embora o irmão três anos mais velho Paulo Sérgio continue fiel (“como ele me conhece bem, em várias letras ele fala de mim, da minha personalidade, o que eu penso, minha cabeça maluca de emoções”).

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Outra mudança das últimas décadas veio com introdução de um sotaque mais jazzístico em suas canções. Se o jazz faz uma ponte com os primeiros anos de Bossa Nova, também fez de Marcos Valle um nome requisitado pelos novos nomes do estilo americano. Entre eles, está a cantora Stacey Kent, que conheceu no aniversário de 80 anos do Cristo Redentor, e com quem vai engatar uma turnê que começa por Fortaleza ainda neste primeiro semestre. “Estamos em fase de ensaios. O repertório vai ser só Marcos Valle, com sucessos e músicas novas”, adianta o compositor. Essa vai ser uma boa oportunidade de conhecer um pedaço redescoberto da obra de Marcos Valle, antes, inclusive, de que ele mude de som novamente.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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