Em 1967, quando pisou no palco do Teatro Paramount (SP), para apresentar Alegria Alegria ao lado do quinteto roqueiro Beat Boys, Caetano Veloso criou um evento que se tornaria maior do que ele mesmo. Naquele III Festival de Música Popular Brasileira, o baiano tomou partido por um som mais moderno, levado pela guitarra, instrumento símbolo do rock. Ao lado do amigo Gilberto Gil, ele lançava ali as bases do Tropicalismo, movimento que defendia o caráter assumidamente antropofágico da cultura brasileira. Para o Tropicalismo, não deveria existir limites estéticos. Ou seja, seria proibido proibir.

De fato, esse caráter libertário do Tropicalismo é a alma de tudo o que Caetano Veloso fez ao longo dos seus 45 anos de carreira. Nesse tempo, sua obra já apontou para tantos lados que só poderia caber mesmo num rótulo genérico como MPB. Desde a estreia, no bossanovista Domingo (1967) até a síntese rock/samba de Zii Ziê (2009), ele já visitou boa parte dos ritmos populares que se têm conhecimento. Por conta dessa amálgama sonora, o filho de dona Canô já ganhou as mais diversas homenagens, muitas delas fatiando e compartimentando sua produção.

Foi assim com Axé, Caetano (Polygram, 1996), disco onde a então nascente geração Axé – Banda Eva, Jheremmias Não Bate Corner, Ricardo Chaves e outros – colocava um suingue da cor no repertório do mestre. Gal Costa também dividiu seu Mina d’água do meu canto (BMG, 1995) em homenagens serenas a Chico Buarque e ao velho amigo tropicalista. Mais recentemente, a veterana Cláudia fez um mergulho em canções mais obscuras do compositor para apresentar o seu Senhor do tempo (Joia Moderna, 2011). Já a norte-americana filha de brasileiros Alexia Bomtempo selecionou canções em inglês de Caetano para gravar o seu I just happen to be here.

Em busca de uma visão mais ampla para o ecletismo caetanico, a Universal Music colocou nas lojas no último dia 7 de agosto o disco A Tribute to Caetano Veloso. A data não foi escolhida por acaso, posto que neste dia o homenageado completou seus 70 anos de vida. Já o título em inglês é para entregar as intenções internacionais do projeto idealizado pelo produtor galês Paul Ralphes. São 16 composições de Caetano interpretadas, rearranjadas ou recriadas por nomes de diferentes nacionalidades e nichos musicais. Até alguns brasileiros foram convocados.

Lançado no final de 2011, o projeto Red Hot + Rio 2 guardava algumas semelhanças com esta nova homenagem, mas tinha como ponto alto o fato de não ser um tributo à música, mas à alma de Caetano e ao Tropicalismo. Dessa forma, os muito convidados puderam tanto reler antigas canções como compor coisas novas, desde que estivessem conectadas com o espírito plural do baiano. Se comparado com este trabalho, A Tribute to Caetano Veloso, apesar da escalação eclética, acaba parecendo menos ousado.

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Logo na apresentação, é a roqueira Chrissie Hynde quem se debulha em elogios para o baiano. “Um inigualável gigante musical cujos talentos transcendem qualquer estilo”, escreve a vocalista dos Pretenders, que divide a nostálgica The empty boat com o trio Kassin, Domênico e Moreno (filho do homenageado). Responsáveis pelo primeiro clipe do disco, a banda britânica The Magic Numbers recria a malemolência de You don’t know me, respeitando a letra bilíngue. Já o cantor espanhol de flamenco Miguel Poveda coloca mais carga dramática em Força estranha (“Yo vi un muchachito corriendo”), o que confirma que a versão definitiva ainda é a de Gal Costa. Melhor se sai o uruguaio Jorge Drexler (sempre ele) ao não mexer muito em Fora da ordem.

Para o time brasileiro, a ideia foi trazer nomes novos, ou nem tanto. A sedutora Céu, por exemplo, segue a linha do seu Caravana Sereia Bloom e faz uma versão indie para Eclipse oculto. Tulipa Ruiz também dá seu recado em Da maior importância, solta num arranjo bacaninha. A dupla Devendra Banhart e Rodrigo Amarante, também presente em Red Hot + Rio 2, leva Quem me dera para o espaço, enquanto o outro Hermano, Marcelo Camelo, aparece mais reverencial em De manhã. Encerrando com Mariana Aydar interpretando solenemente a emblemática Araçá blue, não chega a surpreender, mas reafirma o quanto a obra do aniversariante está aberta a interpretações.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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