Por Mona Gadelha (cantora)

Mona Gadelha

Com toda a dificuldade que o desafio de fazer uma lista nos impõe (toda lista é injusta), sugiro os discos abaixo, sem ordem de preferência.

Alucinação/Belchior (1976)

Eu lembro do impacto que esse LP produziu em mim, adolescente que ouvia rock, descobrindo o punk de Patti Smith e começando a fazer shows em Fortaleza no Teatro de Arena da Credimus, na Aldeota. Logo, nosso trovador foi comparado a Bob Dylan e sua Alucinaçãotornou-se um verdadeiro hino, com versos como “A minha alucinação é suportar o dia a dia/e meu delírio é experiência com coisas reais”. E vaticinava: “Por força desse destino/Um tango argentino me vai bem melhor que um blues”. É uma obra-prima. Um dos maiores discos de música brasileira de todos os tempos. No lançamento, o rádio tocava sem parar (bons tempos, não?).

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O Romance do Pavão Mysteriozo/ Ednardo (1974)

Só pela pesquisa e a introdução do maracatu do Ceará na MPB, já valeria entrar em qualquer lista. Mas Ednardo foi além e sua obra (coerente, lírica e inovadora) trazia o verso de Augusto Pontes musicado por ele na canção Carneiro que traduziu nosso sonho e “cearensidade”: “E vou voltar em video tapes /e revistas supercoloridas/Pra menina meio distraída/Repetir a minha voz/Que Deus salve todos nós”. Ednardo é tão moderno que a comunidade gay também adotou o seu Pavão Mysteriozo, que virou símbolo de liberdade, afinal, “eles são muitos/mas não podem voar”. O LP ainda tem a belíssima valsa Ausência e Dorothy Lamour, obra-prima de Petrúcio Maia e Fausto Nilo.

Meu Corpo Minha Embalagem Todo Gasto na Viagem – Pessoal do Ceará – Ednardo, Rodger e Tetty  (1973)

Esse disco deu o norte do que representaria a música do Ceará nos anos 70. É um clássico com canções grandiosas, como Ingazeiras (Ednardo), Falando da Vida (Rodger e Dedé-José Evangelista) e o hino alencarino Terral (Ednardo). Apresentava a voz feminina que se tornaria referência para todos nós, a Tetty (como o nome está grafado no disco). Os arranjos são sofisticados (de Hareton Salvanini, junto com os próprios Ednardo e Rodger), como em Beira-Mar (Ednardo). Foi reeditado várias vezes e estabeleceu uma denominação, “Pessoal do Ceará”.

Massafeira/Vários intérpretes (1980)

Sem medo de advogar em causa própria, pois participei do disco, não posso deixar de fora um dos projetos mais ousados da indústria fonográfica brasileira. Não bastasse a quantidade de artistas (um coletivo, como se diz hoje) levados para o Rio pra gravar, teve a proeza de reunir “todo mundo” – do Pessoal do Ceará já estabelecido aos novos que chegavam, incorporando rock, blues, tropicalismo, jovem guarda, um caldeirão sonoro tão comum na música contemporânea, mas que naquela época gerava discussões acirradas. Grandes compositores estavam lá (Caio Silvio, Graco, Francisco Casaverde, só pra citar estes que responderam por sucessos da MPB, como Noturno, dos dois primeiros). Além da nata de músicos cearenses (Carlos Patriolino, Angela Linhares, Calé Alencar, Luis Miguel… a lista é longa). E promoveu a estreia do Perfume Azul, os reis do underground setentista. Estará eternamente nas paradas da história e memória da música cearense, influenciando sempre.

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Manera Fru Fru Manera/Fagner (1973)

É impressionante como a primeira metade da década de 70 nos presenteou com grandes obras, já traçando o mapa do legado que a música do Ceará deixaria para a MPB. O disco Manera Fru Fru Manera (música de Fagner e Ricardo Bezerra, este que merece estar em qualquer lista também com seu clássico Maraponga) é um destes. Mucuripe (parceria com Belchior) já justificaria qualquer escolha. E a presença da poesia no canto original de Fagner (em Sina, de Patativa do Assaré, e Canteiros, de Cecília Meireles).

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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