Se engana quem pensa que Odair José está aqui para brincadeiras. Muito pelo contrário. Ele leva muito a sério seu ofício. O Bob Dylan da Central do Brasil, como foi apelidado, é um cara que tem muita consciência sobre o trabalho que realiza com a música. E por isso exige respeito para si e para os personagens que cita em suas letras. Não bastasse a semelhança com Roger Waters, Odair também é um conhecedor do rock, principalmente aquele mais baladeiro que foi desembocar na Jovem Guarda.

O goiano de Morrinhos é também alguém que curte um som de guitarra, o peso de uma bateria e a profundidade de um baixo bem tocado. Ele gosta de usar tudo isso para emoldurar histórias fictícias, mas com exemplos bem reais. Por exemplo, o homem que implora à mulher que pare de tomar a pílula anticoncepcional para que um filho possa nascer. Outra, o patrão que se apaixona pela empregada doméstica. Ou ainda o cara que conheceu uma dama num cabaré e não a esqueceu mais. Histórias fictícias, é provável. Mas que, certamente, encontram eco no real.

Ouvir essas histórias no rádio chocou muitas famílias, inclusive aquelas onde a poesia tornou-se fato consumado. Que exista até, mas que ninguém saiba. De todas essas figuras, que Odair José narra sem floreios ou erudição, com a secura de um cronista, uma das mais populares é a de Eu vou tirar você desse lugar. Aqui um homem promete a uma prostituta que se casará com ela e vai tirá-la daquela vida nada fácil.

Tamanha audácia dividiu opiniões sobre o trabalho de Odair, mas lhe garantiu visibilidade suficiente para alçar grandes voos. A censura – oficial e informal – sobre suas canções foi constante. A alta burguesia não ia querer ver as vergonhas do povo expostas daquela forma. Porém, na outra ponta, muita gente se sentiu representado e o compacto de Eu vou Tirar Você Desse Lugar, lançado em 1972, vendeu milhões de cópias no Brasil inteiro. E aquele era só o seu primeiro disco. Até Caetano Veloso saiu em defesa do compositor estreante quando o convidou para um dueto no festival Phono 73. Mesmo criticado, Caetano encarou a bronca.

A popularidade, as polêmicas, a ousadia da música atraíram fãs e desafetos para Odair José que, embora soubesse seu poder comunicação, não fazia aquilo para chocar. Aquilo era só um pouco do que ele via frequentando os lugares escondidos do Brasil. O menino pobre que saiu de casa cedo para buscar o sonho de ser artista no Rio de janeiro, onde passou fome e morou na rua até ser apresentado a Ataulfo Alves, tornou-se famoso e provou todos os prazeres e entraves da tríade “sexo, drogas e rock’n’roll”. Mas ali era só o começo de uma estrada de escândalos que o compositor de goiano iria colecionar. E, todos, ele iria transformar em mais música.

* Não conseguimos localizar o disco onde foi gravada Eu vou tirar você desse lugar, por isso esta semana não publicamos o faixa a faixa.

>> Eu vou tirar você desse lugar por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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