photo by Da Pa Virada | Dani Gurgel

Maior que o talento de Elis Regina, somente a saudade que ela deixou entre os fãs famosos e anônimos. Desde que foi encontrada morta no dia 19 de janeiro de 1982, vitimada por uma ainda inexplicável overdose de álcool e cocaína, o mito da maior cantora do Brasil passou a crescer cada vez mais e tornou-se algo próximo de uma verdade absoluta. Por esse motivo, no ano passado, quando se lembrou os 30 anos da sua partida, as homenagens mais variadas partiram de todos os cantos do País. Foi de um singelo tributo no Teatro Antonieta Noronha, protagonizado pela carioca de alma cearense Lorena Nunes, até um megaprojeto coroado com uma turnê da filha Maria Rita se debruçando exclusivamente sobre o repertório da mãe.

Já próximo do fim do ano, outro filho da artista entrou nesse hall de homenagens. Filho de Elis com o pianista César Camargo Mariano, Pedro Mariano realizou um tributo onde convidou somente amigos cantores para dar uma visão masculina sobre a obra da mãe. Lançado pelo selo do próprio cantor, o Nau, Elis por Eles estava sendo planejado desde 2009, mas teve que esperar pequenezes como liberação de verbas e a agenda dos convidados. Gravado na disputada noite de 2 de agosto de 2012, no Teatro Positivo, em Curitiba, o show teve a presença de 14 nomes de vários nichos da música brasileira, cada dando sua medida de emoção a um dos repertórios mais preciosos que se tem conhecimento.

Misturando alguns hits obrigatórios com canções menos conhecidas, Elis por Eles abre caminho, principalmente, para uma nova geração de artistas, que ainda era criança quando foi anunciada a morte de Elis Regina. A exceção fica para dois nomes, Jair Rodrigues e Cauby Peixoto, ambos amigos próximos da cantora. Ao primeiro, velho parceiro do Fino da Bossa, a quem ela chamava carinhosamente de Cachorrão, coube a interpretação de dois clássicos absolutos. Cheio de força e personalidade, o cantor de 73 anos defende Upa neguinho (Gianfrancesco Guarnieri/ Edu Lobo) e Arrastão (Edu Lobo/ Vinicius de Moraes). Sem ter podido comparecer ao vivo, Cauby se faz presente através do telão, colocando melancolia em Dois pra lá, dois pra cá (Aldir Blanc/ João Bosco). A faixa, já gravada pelo niteroiense no projeto Songbook João Bosco, acaba comprometida pelo distanciamento de Cauby, mas não poderia faltar.

imagemCAFGEB7EAs demais canções, todas escolhidas pelos convidados juntos com Pedro Mariano, flutuam entre uma vontade meio preguiçosa de encontrar um novo viés e o cover tradicional. Jorge Vercillo e Diogo Nogueira são protocolares, respectivamente, em Mestre-sala dos mares (Aldir Blanc/ João Bosco) e Amor até o fim (Gilberto Gil), mas não comprometem. Pouco à vontade, Jair Oliveira chama mais atenção pelo cachecol vermelho, do que pela interpretação de Madalena (Ivan Lins/ Ronaldo Monteiro de Souza). Elegante e confirmando ser uma das nossas mais belas vozes masculinas, Emílio Santiago aposta no óbvio e vai de Só tinha de ser com você” (Tom Jobim/ Aloysio de Oliveira).

Mas Elis por Eles também guarda algumas boas surpresas. Tangenciando com leveza o reggae, Paulinho Moska exibe sua boa voz em Nada será como antes (Milton Nascimento / Ronaldo Bastos). O mais jovem do time, Filipe Catto dosa na medida a dramaticidade de Tatuagem (Ruy Guerra/ Chico Buarque), assim como Lenine que assume corajosamente Atrás da porta (Chico Buarque/ Francis Hime), a única canção realmente feminina do projeto. No fim das contas, os únicos escorregões ficam para o arranjo vocal pueril do Roupa Nova, em Casa no campo (Tavito/ Zé Rodrix), e para os trinados sempre exagerados de Chitãozinho e Xororó em Como nossos pais (Belchior).

O encerramento de Elis por Eles fica com Pedro Mariano, emocionado ao cantar O bêbado e a equilibrista (Aldir Blanc/ João Bosco). Em seguida, todos se encontram no palco para fazer uma roda em Redescobrir (Gonzaguinha). Entrecortado ainda por depoimentos de amigos de Elis, como Guilherme Arantes, Tom Jobim e Milton Nascimento, o projeto cumpre uma função importante de manter viva a história de uma artista fundamental para a cultura brasileira. Pontuado pela sinceridade dos convidados, todos fãs confessos da Pimentinha, o que se sobressai são canções marcantes e uma saudade que parece não acabar nunca.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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