Fhernanda Fernandes reencontra repertório de Fátima Guedes (Divulgação)

Uma marca da cantora e compositora Fátima Guedes são as cores fortes aplicadas aos sentimentos das suas canções. Seja amor, saudade ou mágoa, os personagens das suas canções não poupam o coração na hora de sentir. E mais, quase sempre, esses personagens são mulheres cantadas em primeira pessoa. Assim, ela já cantou a que sofre pelo filho faminto, a que ama desesperadamente, a que lamenta a perda do amado e tantas outras.

Com elegância e dramaticidade, a cantora Fhernanda Fernandes selecionou algumas dessas histórias e mulheres para compor o disco Passional. Lançado pela gravadora Joia Moderna, espaço do DJ Zé Pedro dedicado exclusivamente ao universo musical feminino, a carioca presta um tributo emocionado a Fátima Guedes, sem perder de vista sua porção de fã. “Quando o Zé Pedro me convidou para gravar um disco, disse pra eu escolher um compositor. Não tive dúvidas. Era a Fátima Guedes”, relembra a intérprete, por telefone.

Fhernanda já percorre a trilha de Fátima Guedes há muitos anos. No festival MPB 80, enquanto a primeira apresentou Devassa (Solange Boeke/ Wania Andrade), a segunda consagrou o sucesso Mais uma boca. Para Fhernanda, Devassa acabou rendendo Fera (1981), um LP luxuoso, com arranjos de João Donato e Antônio Adolfo, e canções inéditas de gente como Caetano Veloso e Danilo Caymmi. Entre as faixas, também estava Pelo cansaço”, samba de Fátima que só depois seria registrado pela autora.

Capa do disco Passional

Uma dessas peças raras da MPB, foi por conta do disco Fera que nasceu o recente Passional. Citado por Zé Pedro no livro Meus discos e nada mais, foi o filho de Fhernanda que descobriu a admiração do DJ pelo trabalho da mãe (que ainda assinava sem o “h”) e começou uma campanha para aproximar os dois. O esforço funcionou e ela foi convidada para integrar o elenco do tributo A voz da mulher na obra de Guilherme Arantes, cantando Toda vã filosofia. Logo depois dessa gravação, precisamente no dia seguinte, ela encontrou Zé Pedro para montar o repertório de Passional.

Com arranjos econômicos escritos por Felipe Poli, o disco pescou 13 canções que passeiam por muitas épocas da homenageada. “Eu queria um trabalho que apresentasse a Fátima para os dias de hoje”, explica Fhernanda, que fez questão de preservar ao máximo as intenções da compositora em cada canção. No entanto, algumas liberdades criativas tiveram espaço. A modinha Dor medonha, por exemplo, ganhou levada de fado. “Até consigo ver a Amália Rodrigues cantando essa música”, brinca a cantora que também transformou a tristonha Cara e máscara em tango.

Dona de um registro grave, pausado e charmoso, Fhernanda vai fundo nas notas para aumentar a tristeza de versos como “nunca fui paixão de ninguém e sempre a tola apaixonada” (Desacostumei de carinho). “Eu quis fazer um contraponto com a voz da Fátima Guedes que é muito aguda”, explica. Embora tenha procurado fugir dos grandes hits, Flor de ir embora (já gravada por Maria Bethânia e Pe. Fábio de Melo) ganhou um novo tratamento a base de piano, violão e violoncelo. Somente ao piano, o desabafo de Paladar é um ponto alto. Mas, para mostrar que nem tudo é tristeza na vida da compositora, o samba É sério é uma parceria com Djavan gravada no disco Muito intensa (1999).

Passional foi produzido e gravado em segredo. No entanto, para a surpresa de Fhernanda, foi durante um show de Fátima Guedes que esta revelou estar sabendo de tudo. “Quando ela disse que sabia, eu só queria saber se ela abençoava e se ela participaria do lançamento”, relembra a cantora que ouviu um “sim” para os dois pedidos. “Acho que a Fátima merecia essa homenagem”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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