Em 1975, a música cearense vivia seu período de maior reconhecimento. Enquanto Fagner apresentava seu fundamental disco Ave Noturna, Ednardo vinha colhendo os bons frutos do lançamento do seu disco de estreia solo, O romance do Pavão Mysteriozo, um ano antes. Belchior também chegara com força em 1974 e, no ano seguinte, atingiria o ponto máximo da carreira com o disco Alucinação. Seguindo aqueles bons ares que sopravam para os sons vindos do “norte”, foi também em 1975 que a banda O Peso lançaria seu primeiro e único disco.

Guiado pelos urros do vocalista Luiz Carlos Porto, Em busca do tempo perdido é um trabalho feito com os dois pés fincados no rock e no blues mais elétrico. Apesar da proximidade temporal, em nada eles pareciam com o som do apelidado Pessoal do Ceará. Recheado por guitarras fortes, riffs marcantes, eles falam de amor com um toque de loucura, e abordam Lúcifer como o chefe da baderna.

A semente do Peso foi jogada na terra em 1972, quando Luiz Carlos e Antônio Fernando, o Gordo, foram do Ceará para o Rio de Janeiro para apresentar a canção O Pente no VII Festival Internacional da Canção. No ano que Maria Alcina venceu a disputa com sua gravação de Fio Maravilha, o FIC realizou sua última edição cercado de polêmicas. Nara leão estava sendo forçada pelo governo militar a se afastar da presidência do juri por que havia feito críticas ao regime e Hermeto Pascoal foi proibido de levar animais para o palco. Foi também o ano em que Raul Seixas surgiu cantando Let me Sing, Let Me Sing, e Sérgio Sampaio com sua antológica Eu Quero é Botar meu Bloco na Rua.

Os cearenses não foram selecionados, mas deram seu recado. O Pente é um rock stoniano, suingado, que fala sobre usar o instrumento capilar para fechar um baseado. A ousadia da dupla ficou por isso mesmo e eles voltaram para o Nordeste, deixando bons contatos feitos. Passados dois anos do evento e já inserido na cena musical da Cidade Maravilhosa, Luiz Carlos Porto se reuniu com  Gabriel O’Meara (guitarra), Constant Papineau (piano), Carlos Scart (baixo) e Carlos Graça (bateria) e fundou o quinteto de vida efêmera e marcante.

A mistura de Rolling Stones com Led Zeppelin e Allman Brothers fizeram do O Peso uma banda de apelo forte no palco, mas que souberam transportar esse clima para o vinil. A presença carismática de Luiz Carlos nos vocais garante o clima roqueiro de uma banda que acabou sendo eclipsada por muitas outras contemporâneas. O’Meara, que tocou com Erasmo Carlos no disco Projeto Salva Terra, tinha contatos que levaram os novatos a gravar o primeiro disco.

Em busca do tempo perdido é um apanhado de sons que faziam a cabeça da rapaziada naquela época. A abertura já traz os riffs stonianos de O’Meara espetando os berros de Porto: “eu sou louco por você”. O clima esquenta ainda mais em Só agora, mais uma sobre o desespero do amor. Na mesma pegada, Lucifer mantém o politicamente incorreto com um demônio querendo curtir seus dias na terra. Em Blues, a banda puxa o freio de mão para fazer uma sessão de seis minutos com todos os clichês do blues rock no melhor estilo “zeppelin”.

Embora tenha ficado guardado na gaveta das raridades dos anos 1970, Em busca do tempo perdido se tornou um grito urgente de uma banda que acabaria pouco tempo depois. Ainda em 1975, eles figurariam no falso disco ao vivo do festival Hollywood Rock, ao lado de Rita Lee e Erasmo Carlos. Depois foram as mudanças de músicos, até a saída de Luiz Carlos Porto e o fim definitivo. O cantor cearense, em meados dos 1980, envolveu-se num acidente e acabou sendo afastado dos palcos. Um retorno do O Peso chegou a ser cogitado, mas o estado de saúde de Porto impediu qualquer possibilidade. Ficam o disco e as histórias como legado.

Veja as faixas de Em Busca do Tempo Perdido (1975):

1. Sou louco por você (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
2. Não fique triste (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
3. Me chama de amor (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
4. Só agora (Estou amando) (Gabriel O’Meara, Luiz Carlos Porto)
5. Eu não sei de nada (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
6. Blues (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
7. Lucifer (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
8. Boca louca (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)
9. Cabeça feita (Tibério Gaspar/ Guilherme Lamounier)
10. Em busca do tempo perdido (Gabriel O’Meara/ Luiz Carlos Porto)

>> Cabeça feita (Tibério Gaspar/ Guilherme Lamounier) por Carlus Campos

cabeçaFEITA

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles