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Principal voz feminina da geração setentista da música cearense, Amélia Cláudia Garcia Collares Bucaretchi, a Amelinha, passou dos 30 anos de carreira sem ter um disco que fizesse jus à sua boa voz. Mesmo em épocas em atingiu o sucesso popular, canções marcantes como Mulher nova bonita e carinhosa faz o homem gemer sem sentir dor, Gemedeira e Frevo mulher ladearam escolhas equivocadas, como o abuso de elementos datados. Tanto que, depois de uma fase no forró ralo e mercadológico, ela acabou, injustamente, num longo período de ostracismo.

Foram dez anos sem disco de inéditas, até que o DJ Zé Pedro a convidou para um projeto em sua gravadora Joia Moderna. Lançado em 2011, o disco Janelas do Brasil foi uma espécie de redenção para a intérprete cearense que, há algumas décadas, trocou o calor de Fortaleza pelo de Niterói (RJ). Acompanhada em estúdio apenas pelo violonista Dino Barioni, ela transpôs para CD as intenções e a leveza do show acústico que vinha apresentando há algum tempo.

O tom íntimo e inspirado de Janelas do Brasil refrescou a memória de um público que há tempos não ouvia a voz rouca e aconchegante de Amelinha em grande estilo. Bem recebido pela crítica, o disco agora ganha um desdobramento ao vivo, registrado no Teatro Fecap em 16 de maio de 2012. Janelas do Brasil Ao Vivo (Lua Music) traz de volta Thiago Marques Luiz na produção e Dino Barioni, agora dividindo os violões com Emiliano Castro.

amelinhadvdjanelasdobrasilcapaO projeto foi bancado por Thiago Marques Luiz para, só em seguida, ser vendido a alguma gravadora. Isso explica a simplicidade de alguns detalhes. As imagens são burocráticas e não garantem muita proximidade da artista com o espectador. O som é apresentado no DVD apenas na opção 2.0, o que é pouco para quem tem home theater. Bonito e bem aproveitado pela iluminação, o cenário remete à capa feita para o disco de estúdio, que, por sinal, remete aos secos garranchos do semiárido brasileiro.

No entanto, as limitações orçamentárias de Janelas do Brasil Ao Vivo se esvaem na hora que se aperta o play. Apesar de nervosa, Amelinha segura o show com a sutileza de quem tem experiência em embalar plateias. Foram 18 canções escolhidas – incluindo Sol de primavera (Beto Guedes/ Ronaldo Bastos), nos extras – que, juntas, contam um pouco da história dessa intérprete cearense. É o caso, por exemplo, de Ai, quem me dera, feita pelo padrinho artístico Vinicius de Moraes na casa de Amelinha. Ela, assim como Clara Nunes, Maria Bethânia e Maria Creuza, foi uma das vozes femininas escolhidas pelo Poetinha para excursionarem juntos. Ainda para relembrar esses tempos, Toquinho sobe ao palco para contar causos (nos extras) e colocar seu violão virtuoso em Valsinha.

Da versão estúdio de Janelas do Brasil, foram tiradas sete faixas, com destaque para as ótimas Quando fugias de mim (Alceu Valença/ Emannoel Cavalcanti) e Ponta do Seixas (Cátia de França). Asa partida é rebobinada com o reforço de Zeca Baleiro nos vocais. As demais canções mesclam velhos sucessos e raridades, como Légua tirana (Luiz Gonzaga/ Humberto Teixeira), gravada no tributo 100 Anos de Gonzagão (Lua Music). Dentro do contexto de violões, o arranjo de Frevo mulher (Zé Ramalho) é tão bom quanto o original. Assim como Foi Deus que fez você (Luiz Ramalho), que cresce sem as camas de teclados.

O amigo e conterrâneo Raimundo Fagner comparece em voz e violão na faixa Depende (Fagner/ Abel Silva), repetindo o dueto registrado em Flor da Paisagem, disco de estreia de Amelinha (1977). Em seguida, Fagner e Amelinha chamam Zeca Baleiro de volta para encerrar o show com Flor da Paisagem (Robertinho de Recife/ Fausto Nilo). Em pé, sem recursos grandes cênicos ou trocas de figurinos, Amelinha estreia em DVD cercada apenas pela voz firme e por boas canções. O suficiente para que ela volte a habitar os palcos e rádios do Brasil.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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