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Em 1972, ainda vivendo exilado na Inglaterra, Caetano Veloso lançaria no Brasil um disco de canções misteriosas, cheias de significados, e pegada roqueira. Batizado de Transa, palavra que, na época, não tinha o significado que tem hoje, o LP curtinho, de apenas sete faixas, tornou-se um dos pontos altos da discografia do baiano, principalmente, por conta da melancolia tão aparente embalada em som tão cru.

Cerca de 40 anos depois, a crueza de Transa está de volta à música de Caetano. Depois de algumas turnês onde contava com um time grande de músicos no palco, ele reduziu sua banda a um trio de jovens músicos – Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e teclados) e Marcelo Callado (bateria e percussão) – que batizou de BandaCê. E foi ao lado deles, que o compositor lançou uma trilogia discográfica que se encerrou com o recente Abraçaço (2012).

Como um Bob Dylan mulato, foi munido de seu violão, sua banda roqueira e das canções de Abraçaço que Caetano Veloso subiu ao palco no Centro de Eventos do Ceará no último sábado (6). Sabendo se tratar de uma das cabeças mais privilegiadas da MPB, o público compareceu em peso, lotando o imenso salão, bem melhor organizado do que durante a conflituosa passagem de Maria Bethania pelo mesmo espaço. Tinha até pipoqueiro transitando entre as cadeiras. Aliás, muito acertada a proibição de venda de bebidas durante a apresentação. Quem queria, de fato, assistir o show, agradeceu.

THY_9271Até porque, Abraçaço não é uma apresentação tão simples assim. Até certo ponto, ela é bastante impopular. Como o disco é recente e sem hits imediatos, ficou para os fãs de carteirinha cantar junto a nova safra de Caetano Veloso. Para abrir, o manifesto A Bossa Nova é foda ganha mais peso ao vivo, ao linkar duas importantes influências do baiano, João Gilberto e Bob Dylan. Para comprovar tais influências, em seguida ele afaga a plateia com Lindeza, uma bossa joãogilbertiana lançada em 1991. Para facilitar na empatia, o cantor abre a blusa na ótima Parabéns e arranca gritos da plateia.

Do novo disco, teve ainda Quando o galo cantou, O império e a lei, Estou triste, O comunista, Quero ser justo e Funk melódico. Todas foram recebidas com palmas e respeito. Para relembrar a estreia da BandaCê, o disco (2006), Caetano incluiu Homem, Odeio e Outro, e manteve o mesmo tom das palmas. Um pouco de frisson quando o artista desenha com as mãos o formato de uma vagina ao afirmar que “sente inveja dos orgasmos múltiplos”.

No entanto, Caetano Veloso não é pura fama por acaso. Sabedor do seu papel no palco, ele polvilha o repertório com momentos que trazem o público para mais perto. Eclipse oculto foi o maior deles, com todo mundo cantando e dançando (na medida do possível) junto. Em Você não entende nada, enquanto ele dizia “quero que você venha comigo”, todos respondiam “ todo dia todo dia”. A belíssima Alguém cantando foi incluída para homenagear Eunice Viana, a Nicinha, irmã mais velha do compositor falecida em 2011, que deu voz à canção no disco Bicho (1977). Dona Canô (1907 – 2012) também foi lembrada em Mãe, lançada por Gal Costa em 1978, e Reconvexo, lançada por Maria Bethania em 1989. A passagem “quem não rezou a novena de Dona Canô” foi recebida com muitas palmas. Essas canções eram inéditas na voz do compositor. Para encerrar, dois bis, onde entraram uma versão indie para A luz de Tieta e Um índio. Em seguida, todos puderam ir embora certos de quem tinham visto um bom show e um grande artista.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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