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Rita Lee

Certa vez, Gal Costa comentou para uma repórter impressionada com sua baixa estatura que o artista no palco ganha ares divinos de guerreiro ou porta-bandeira. Da fato, é ali, sob a luz do refletor, diante de uma plateia, muitas vezes vestido de forma especial, que todo o trabalho de um artista ganha sentido. Seja ator ou músico, o palco é o lugar de trocar energias, brincar, improvisar, experimentar, dar voz aos espíritos, orixás e aos deuses.

Elza Soares

Elza Soares

Num Brasil sempre tão marcado pela curta memória e pouca valorização da sua arte, apesar dos grandes artistas que produziu e produz, registrar momentos únicos do transe criativo é requisito fundamental. E foi a esse ofício que o fotógrafo Marco Aurélio Olímpio se dedicou primordialmente nos seus mais de 20 anos de carreira. Um resumo dessa história ele apresenta no livro Álbum – Imagens musicais, lançado pelo selo SESC São Paulo, com 154 imagens captadas ao longo de muitas apresentações pelas salas paulistanas do SESC.

Paulistano de 51 anos, formado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Marco Aurélio começou na fotografia por acaso. Certa vez, por conta de uma viagem, pediu uma máquina Minolta SR emprestada de um amigo. A empatia com o equipamento foi tanta que ele acabou pagando para ficar de vez com a máquina. Fã de chorinho e de ouvir música pelo rádio, Marco Aurélio traz ainda a influência que guardou das imagens da coleção Música Popular Brasileira, lançada nos anos 1970 pela editora Abril. Juntando esses dois lados, bastou que um professor lhe mostrasse uma foto do músico Paulo Moura para que ele tivesse certeza de que profissão seguir.

Pelo menos três coisas chamam atenção logo de cara nas páginas de Álbum – Imagens musicais. Pra começar, todas as fotos são feitas em preto e branco. Explorando o contraste, ele emoldura as estrelas brasileiras com luzes, gelo seco ou, simplesmente, com o fundo negro do palco. O dançarino de breaking Nelson Triunfo, por exemplo, ganha um gigantesca coroa feita com luzes e uma longa cabeleira.

Outros dois elementos das imagens de Marco Aurélio Olímpio são um certo distanciamento e a serenidade dos fotografados. Não espere no livro closes muito fechados, caretas ou suor escorrendo pelo rosto. Preservando a aura mítica dos artistas, o fotógrafo opta pelo momento da celebração, da introspecção e da comunhão com o público. Nana Caymmi baixa a cabeça e agradece enquanto Alcione fecha os olhos e se concentra antes de soltar a voz. Marisa Monte e Zélia Duncan até ganham asas diante do público. Já Ney Matogrosso expõe o peito nu e, simplesmente, sorri.

Capa

Capa

Documento de uma história em constante mutação, Marco Aurélio também imortaliza em seu livro figuras míticas, que já não cantam mais. O saudoso violonista Baden Powell (1937 – 2000) fecha suas mãos mágicas como quem faz uma oração. Itamar Assumpção (1949 – 2003), o Nego Dito, puxa Luiz Melodia, o Negro Gato, para um abraço de irmãos. E o poeta Wally Salomão (1943 – 2003) dá vida aos pensamentos desmedidos usando o corpo e a voz.

Da tradição do samba à vanguarda manguebeat, muita gente passou pela lente de Marco Aurélio Olímpio e deixou um afago registrado. Assim como tantas lendas do rock, do jazz e do blues internacional, nossas lendas também foram eternizadas em cliques certeiros e ganham aqui um espaço de destaque, digno dos favores que eles prestaram à nossa música.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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