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Uma banda? Uma família? Um deboche? Um time de futebol? Um bando de malucos? Era difícil precisar exatamente o que eram os Novos Baianos naquele início dos anos 1970. No entanto, é indiscutível que, mesmo lutando contra a amnésia cultural brasileira, as sementes musicais que aquela comunidade hippie plantou cresceram, floresceram e deram frutos saborosíssimos.

O mais suculento desses frutos chama-se Acabou chorare, álbum que completou 40 anos no ano passado. Resultado de uma experiência sonora que juntou o talento dos músicos com os conselhos de João Gilberto, o disco pegou pop, rock, bossa, samba, e misturou tudo até fazer sentido. Apontado em 2007 como o disco mais importante da música brasileira, em eleição promovida pela revista Rolling Stone, Acabou chorare é a base do show que Moraes Moreira apresenta esta noite no Dragão do Mar.

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Com o Brasil amordaçado pela Ditadura Militar, Acabou chorare nasceu no meio de um dos poucos ambientes em que a liberdade podia ser exercida sem medo. Era um sítio no bairro carioca de Jacarepaguá, onde, logo na porta, se pendurava uma bandeira brasileira que, no lugar do famoso “ordem e progresso”, lia-se “cantinho do vovô”. Era ali que Baby Consuelo, Pepeu Gomes, Paulinho Boca de Cantor, Luiz Galvão, Dadi, Didi, Bolacha, Gato Félix e outros pirados se reuniam para fazer música, fumar a erva proibida, jogar bola e dividir as tarefas domésticas numa espécie de comuna hippie socialista.

Antes do sítio, a comunidade “nova baiana” dividia um apartamento em Botafogo, também no Rio de Janeiro, onde foram surpreendidos com a visita de João Gilberto. Segundo a lenda, o mito baiano chegou à noite e só foi embora quando os primeiros raios de sol invadiram o apartamento. Ali, o guru da Bossa Nova apresentou sambas antigos – Assis Valente, Noel Rosa, Ataulfo Alves, Dorival Caymmi – para a turma de cabeludos que montou uma tenda na sala usando colchas e lençóis. K7C4xjdHOIgmAw3X7lMgUDv2UnJ!3iAshZZhP8nYFuqEE6b4W9RYfOUS0!hESWS3VecDigUhcUM=

Visita como aquela não poderia passar despercebida e acabou por orientar o rumo musical dos Novos Baianos, cujo primeiro disco (É ferro na boneca, 1970) já demonstrava talento para misturar o que vinha de fora com o que de melhor o Brasil tinha a oferecer. Até o nome do disco deve-se à presença de João. Ainda pequenina, Bebel Gilberto, filha de João com a cantora Miúcha, esteve presente em uma dessas visitas à banda. Eis que, em meio a uma estripulia, a agora artista internacional caiu no chão e abriu o berreiro. Vendo o desespero do pai que foi socorrê-la, ela é quem tratou de acalmar o pai. “Não machucou, papai. Acabou chorare”, avisou.

O choramingo de Bebel foi o estalo que gerou a faixa-título do álbum, interpretada originalmente Moraes. No violão, batida do pai da cantora também é inconfundível. Também foi João Gilberto quem sugeriu a inclusão de Brasil pandeiro no repertório. Escolhida para abrir os antológicos 36 minutos de Acabou chorare, o samba de Assis Valente chega informando “Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros que nós queremos sambar”. Daí segue um rosário de maravilhas como a exotérica Mistério do planeta, a virtuosa Um bilhete para Didi, e A menina dança, feita para celebrar a alegria de Baby Consuelo, assim como Tinindo trincando.

Contando ainda com o absoluto sucesso de Preta, pretinha, Acabou chorare redimiu o fracasso de vendas do disco anterior. Em seguida, os Novos Baianos lançariam outros sete discos, incluindo Infinito circular, projeto de reencontro lançado em 1997, depois que Marisa Monte apontou holofotes mais uma vez sobre a história da banda que havia encerrado suas atividades quase 20 anos antes.

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Embora tenha sido o primeiro a abandonar o barco, quando a liberdade passou a ser uma regra rígida demais dentro da comunidade dos Novos Baianos, Moraes Moreira nunca deixou de lado sua história naquela turma. Tanto que, em 2007, ele resolveu contar a história do grupo num livro escrito em formato de cordel. O projeto cresceu virou CD e DVD lançados dois anos depois, numa parceria com o filho Davi Moraes. Embora a banda completa não tenha voltado a se reencontrar depois de 1997, o som que eles deixaram continua atraindo novos ouvintes, curiosos por entender que som era aquele. É João Gilberto que havia acertado mais uma vez.

Serviço:
Quando: hoje (19), às 21h
Onde: Praça Verde (Rua Dragão do Mar 81 – Praia de Iracema)
Quanto: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia), à venda na Bilheteria Virtual e no local
Outras info.: 34888608

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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