Nenhuma banda representa melhor a história do rock nacional do que os Mutantes. O trio paulistano, abençoado pelo movimento tropicalista, é a síntese perfeita da brasilidade com a música e as viagens lisérgicas da geração Woodstock. Subindo alto naquele universo sonoro em constante expansão, eles se tornaram ídolos daqueles que admiram a mistura, a ousadia e a música como obra de arte. Em grande parte, a tendência que a banda paulistana tinha para a experimentação deve-se à cabeça privilegiada do mentor Arnaldo Baptista. Como um Syd Barrett verde e amarelo, ele viveu seu auge criativo ao lado da então esposa Rita Lee e do irmão Sérgio, até o momento em que foi consumido pela vida de rockstar.

Indo cada vez mais fundo em viagens que pareciam não ter mais fim, ele protagonizou momentos dramáticos depois que os Mutantes começaram a se desfazer. Brigas, ressentimentos, internações e até uma provável tentativa de suicídio compõem a vida do artista que, durante anos, foi relegado a um injusto ostracismo. Em grande parte, os dramas de Arnaldo Baptista viraram as canções de Loki?, seu primeiro disco pós-Mutantes. Obra seminal de um artista perturbado com o mundo que o rodeava, Loki? traz reflexões sobre a individualidade, a vida em sociedade, sua geração e, claro, muitas mensagens para seus ex-colegas de Mutantes. Desculpe é uma das mais tristes e melancólicas canções da música brasileira e em tudo se parece uma carta aberta para Rita. “Não sou perfeito, nem mesmo você é”, acusa sem meias palavras.

Em todos os momentos, Loki? transparece o medo que aquele artista já reconhecido internacionalmente sentia diante do afastamento dos antigos colegas de bagunça e trabalho. “Será que eu vou virar bolor?”, questiona-se, então com 26 anos, na faixa de abertura deste álbum que inaugura uma errática carreira solo. Da vontade de reencontrar os colegas – que, na época, estavam morando em comunidade num sítio na serra da Cantareira fazendo um chatíssimo som progressivo – ao questionamento sobre os rumos do rock’n’roll, Arnaldo mais pergunta que responde. “Estou aqui reunido numa pessoa só. E todos juntos somos nós uma pessoa só”, confirma solitário.

Mas, Loki? também tem seus momentos de tentar recuperar o barato e a diversão, como em Cê tá pensando que eu sou Loki e em Vou me afundar na lingerie, que soam como um riso amarelo diante daquele mar de insegurança. Assumindo piano, órgão, clavinete, sintetizador, violão de 12 cordas e voz, Arnaldo Baptista se mostra por inteiro neste disco que contou com participações dos amigos da ex-banda. O anjo sombrio que abraça o músico na contracapa é um exemplo daqueles tempos difíceis que ele vivia. O tempo passou e acabou assegurando a relevância de Arnaldo Baptista dentro da história da Música Brasileira – com letras merecidamente maiúsculas. E nessa história, Loki? é um capítulo fundamental para ser lido e ouvido.

 

Veja as faixas de Loki? (1974):

1. Será que eu vou virar bolor? (Arnaldo Baptista) 3:50
2. Uma pessoa só (Arnaldo Baptista / Dinho Leme / Liminha / Sérgio Dias) 4:00
3. Não estou nem aí (Arnaldo Baptista) 3:20
4. Vou me afundar na lingerie (Arnaldo Baptista) 3:25
5. Honky tonky (Patrulha do Espaço) (Arnaldo Baptista) 2:15
6. Cê tá pensando que eu sou Lóki? (Arnaldo Baptista) 3:25
7. Desculpe (Arnaldo Baptista) 3:10
8. Navegar de novo (Arnaldo Baptista) 5:30
9. Te amo podes crer (Arnaldo Baptista) 2:50
10. É fácil (Arnaldo Baptista) 1:55

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>> Será que eu vou virar bolor? (Arnaldo Baptista) por Carlus Campos

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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