Em 2007, o carioca Rodrigo Amarante lançou sua primeira música pós-Los Hermanos, como convidado do disco Lanny Duos, do guitarrista Lanny Gordin. Em Evaporar, o compositor discorria sobre a importância do tempo. “O tempo que eu perdi, só agora eu sei, aprender a dar foi o que ganhei”, dizia preservando a veia melancólica que marcou sua antiga banda. A faixa foi repaginada e usada para encerrar o (até agora) único disco do Little Joy, trio efêmero que montou em 2009.

O tempo e a melancolia parecem terem sido importantes para que Amarante se assumisse, de fato, como um artista solo. Esse passo definitivo foi dado com o lançamento de Cavalo, disco de alegrias soturnas e sorriso forçado, que acaba de chegar às lojas. Antecipado via internet, o trabalho em nada lembra o clima pop de arena dos Hermanos, e se volta para espaços escuros, quartos e salões vazios da alma do compositor.

É bem verdade que as tristezas e melancolias – principalmente as dos amores mal resolvidos – foram a principal matéria-prima da curta obra dos Hermanos. Finda a banda, o parceiro Marcelo Camelo levou essa “infelicidade” ao extremo em três discos repletos de sentimentos profundos. Agora é a vez de Amarante falar dos seus próprios sentimentos, todos eles interpretados com sua já reconhecida voz embriagada.

Morando há sete anos nos Estados Unidos, Rodrigo Amarante conta, em carta aberta para os fãs, que o disco foi feito num “inesperado porém muito bem-vindo exílio numa terra onde não me imaginava achar”. Nessa terra, ele não é o ídolo que arrebanha milhares de fãs dispostos a ouvir as mesmas músicas centenas de vezes. Nessa terra, ele é só mais um desconhecido. Isso o levou a uma “solitude” (como prefere) que o fez se olhar de longe, como se houvesse um duplo, a quem chamou de Cavalo.

Não há hits óbvios, faixa de trabalho ou qualquer tentativa de soar “comercial” nesta estreia solo de Amarante. Isso, por outro lado, não significa que se trata de um disco ruim, nem muito menos, por si só, corajoso. Fugir do óbvio já fazia parte da história do Los Hermanos. Basta lembrar que, após o sucesso estrondoso e irritante de Anna Julia, eles flertaram com samba e bossa nova em Bloco do eu sozinho (2001), e quase perderam o contrato com a Abril Music.

Esteticamente, Cavalo lembra o derradeiro disco da banda, 4 (2005), e Sou/Nós, primeiro disco solo de Marcelo Camelo (que, por sinal, vem ilustrado com fotos de cavalos. Um prato cheio para os teóricos da conspiração). Nesses discos, os silêncios falam mais do que as notas musicais. Tudo é econômico, um tanto triste e inundado de personalidade. De tanto tirar ruídos e detalhes desnecessários, a capa de Cavalo acabou se resumindo a um imenso branco quebrado apenas pelos nomes do artista, do disco e detalhes técnicos.

O mesmo acontece nas faixas, quase 100% executadas por Amarante. Rodrigo Barba (Hermanos), Fabrizio Moretti (Strokes e Little Joy), Noah Georgeson e Devandra Banhart são alguns dos poucos que tiveram acesso ao quarto do músico em Los Angeles, onde o disco foi gravado. Nessa viajem ao fundo de si, o músico preferiu a solidão (ou solitude), que expressou em letras escritas em inglês, português e francês.

É claro que o choque de um disco tão introspectivo causa estranhamento, principalmente nos órfãos do Los Hermanos. Nem mesmo nos seus momentos mais ritmados, como Maná ou Nada em vão, Cavalo parece querer abandonar sua proposta de ser o retrato de um artista que grita sua identidade. Falando sobre a família (Maná), morte (The ribbon) ou saudade (O cometa), Amarante só pensa em encarar a si próprio num espelho. E, por isso mesmo, trata-se de um trabalho merece ser ouvido repetidas vezes, até ser totalmente revelado.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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