1385814351_mulheres_negras_creditos_gal_oppido_3Se a preferência do leitor é pelas belas canções prontas para embalar festas ou romances, creio que os personagens dessa matéria não despertem muito interesse. Agora, se há espaço para um pouco de maluquice, vale a leitura. O motivo desse preâmbulo é que nada na banda Os Mulheres Negras é tão simples. Começa que os integrantes não são mulheres, nem negras. Como se entende costumeiramente o termo, talvez nem seja uma banda também.

Os Mulheres Negras é uma dupla formada por André Abujamra e Maurício Pereira, dois paulistanos tão brancos quanto uma tapioca com coco. No melhor estilo “eu não vim para explicar, vim para confundir”, eles usam irreverência e ecletismo em tudo, e isso desde antes dessas duas palavras entrarem na moda. Tanto que são eles que dizem que são a terceira menor big band do mundo. “Naquela época, nós só perdíamos para o Menudo e para a orquestra sinfônica da marinha da Bolívia. Hoje eu não sei”.

A época a que André Abujamra, por telefone, se refere é a década de 1980, quando ele conheceu Maurício num curso de percussão africana. Ambos tinham em comum as boas ideias na cabeça e o pouco dinheiro no bolso. Foi o suficiente para que, em 1985, a dupla estreasse na cena underground paulistana. Para criar um diferencial no repertório inicialmente de covers, os músicos adotaram o discurso irônico e o figurino feito com chapéus de palha e pesados capotões. A brincadeira deu certo e eles começaram a chamar atenção para canções próprias como Elza, Purquá mecêMãoscolorida.

O som do Mulheres Negras – ancorado no sax de Maurício e nas guitarras de Abujamra – era um alienígena diante do que tocava (e toca) nas rádios. Ainda mais pelo uso dos samplers, uma novidade na época. “A gente era tecnoporco, por que não tinha grana pra comprar coisa nova. A tecnologia avançou, mas a nossa cabeça ainda usa como antigamente. Não estamos colocando uma roupa nova. Estamos tirando o pó do que fazia antigamente”, avalia Abujamra, que seguiu com o duo até 1991. Sem brigas ou declarações vexatórias, eles encerram as atividades para cuidar de outros projetos.

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A saudade foi grande e, 21 anos depois, eles reativaram a parceria que só havia deixado dois discos – Música e ciência (1988) e Música serve pra isso (1990). “Eu digo que, antigamente, nós éramos dois caciques. A gente discordava de muita coisa, mas tinha uma química muito boa no palco. Hoje são dois pajés, dois velhinhos que cuidam um do outro”, analisa Abujamra no melhor estilo “mulheres negras”. O público gostou de vê-los de volta e, mesmo sem sucessos nas rádios ou novelas, os shows voltaram a ser lotados. “Um artista não se faz de um disco ou dois. Ele se faz de uma carreira. Quem conhece (o Mulheres), acha o máximo. A gente tem uma legião de fãs”.

A mudança de posto na tribo também serviu para avaliar a história da banda, que, segundo o produtor Pena Schmidt, era moderna demais para tocar na era do rock nacional. E hoje? Estaria o Brasil pronto para os Mulheres Negras? “É uma pergunta complexa. O show agrada muito as pessoas. O que tem é uma postura no palco muito inusitada. Eu não sei se (o Brasil) está preparado, mas é sempre bem-vinda essa estranheza”, comenta o músico, sem perder de vista o fato das poucas gravações já terem mais de 30 anos. “Uma coisa que eu posso dizer é que, se a galera da música eletrônica ouvir hoje, vai dizer ‘caceta!’”.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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