Sérgio sampaioQuando o compositor Sérgio Sampaio morreu em 1994, levou consigo uma mágoa guardada há muitos anos. Natural de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, ele nunca teve uma música gravada pelo seu ídolo e conterrâneo mais famoso, ninguém menos que Roberto Carlos. O mais perto que chegou foi quando o Rei gravou Meu pequeno Cachoeiro, escrita por seu pai, Raul Sampaio. O desprezo de sua majestade até rendeu uma canção, Meu pobre blues, onde ele trata o assunto com uma dose de resignação e outra de sarcasmo.

Mas a verdade é que, assim como Roberto, poucos foram os que reconheceram o valor das canções de Sérgio Sampaio. Não à toa, ele integrou a leva de compositores dos anos 1970 que ficou tachada de malditos. Apesar do imenso lirismo, ele era a contramão, o avesso, o lado oposto do que chegava ao sucesso em sua época. E, por isso mesmo, usava a música para defender ideias próprias sobre a arte e o mundo à sua volta.

Dispensando rótulos rítmicos e estéticos, Sérgio Sampaio tinha natureza moderna, sem dispensar o respeito pela tradição. Sua música era feita de choros, marchinhas e sambas que conhecia através do pai. A essa tradição, ele acrescentava sua personalidade inconformada e sua poesia afiada. Trazendo no violão o lamento típico dos mestres do blues, ele usava o cinismo com muita inteligência para enfrentar os perigosos Anos de Chumbo.

1217721-250x250Marginalizado que foi ao longo desses anos, torna-se muito oportuna a homenagem prestada pelo paraibano Chico Salles no disco Sérgio Samba Sampaio. Ainda mais este ano, quando se completam 40 anos do lançamento do primeiro LP de Sérgio, que veio em consequência do sucesso de Eu quero é botar meu bloco na rua. Com arranjos de Henrique Cazes e produção do cearense José Milton, o recente tributo busca tornar mais palatável a obra de um artista que renegava qualquer tipo de rótulo.

Assim como o homenageado, o cantor e compositor Chico Salles não é puramente um sambista, apesar de ter forte ligação com a batucada. Natural de São Francisco do Chabocão, próximo de Sousa, ele começou na vida artística fazendo sons nordestinos, como forró, xote e baião. Ao chegar no Rio de Janeiro, na década de 1970, ele conheceu os redutos sambistas dos morros cariocas acompanhado do “trapalhão” Mussum, que acabou se tornando seu parceiro.

Sem excessos ou muitas pretensões, Chico Salles se coloca como um porta-voz de Sérgio Sampaio ao longo de 12 faixas. São sambas, choros e sambas-canções que evidenciam a alma irrequieta do cachoeirense. “Silêncio na tarde, nos homens. Silêncio que eu quero cantar”, pede ele em Até outro dia, antes tratar dos próprios medos, dos amores tumultuados e outras situações corriqueiras da sua vida boêmia.

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“Um livro de poesia na gaveta não adianta nada. Lugar de poesia é na calçada”, protesta Sérgio em Cada lugar na sua coisa, evidenciando que a luta por mais espaço para arte não é nova. A canção conta a participação de Fagner, cuja voz peculiar dá o tom que a letra pede (em tempo: circula na internet a gravação pirata de uma apresentação de Sérgio com Moacyr Luz no Cabaré Mineiro, BH, em 1986. Na ocasião, o artista agradece a presença de Fagner na plateia). Outro convidado de Chico Salles é Zeca Pagodinho, que soa tímido em O que pintar, pintou. Fã devotado, responsável pelo relançamento de parte importante da obra de Sérgio Sampaio, Zeca Baleiro comparece em História de boêmio, homenagem ao cantor Nelson Gonçalves (“Já fui derrotado brigando num ringue, cantor consagrado de tango e suingue”).

Embora nunca tenha sido colocada no patamar que merece, a curta obra de Sérgio Sampaio é algo ainda a ser avaliado e descoberto. Sua morte aos 47 anos, em decorrência de uma vida cheia de excessos, fez dele uma espécie de Robert Johnson nacional. Um alguém que precisou de muito pouco para marcar seu nome na história.

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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