UwftGezEm 1985, os versos de Escrito nas estrelas eram um verdadeiro fator de união nacional. Bastava que alguém começasse “você pra foi um sol” para que as pessoas ao redor apurassem os agudos para cantar junto. A responsável por este sucesso, que vendeu milhares de cópias, foi Tetê Espíndola, intérprete da composição de Carlos Rennó e Arnaldo Black no Festival dos Festivais. No evento transmitido peça Rede Globo, ela venceu nomes de peso como Emílio Santiago, Leila Pinheiro e Oswaldo Montenegro.

Além do apelo popular de Escrito nas estrelas, grande parte do sucesso da canção deve ser atribuído aos agudos afiados de Tetê Espíndola. A extensão vocal quilométrica e a versatilidade com que usa esse recurso até renderam à cantora um elogio do poeta Augusto de Campos, dizendo que ela tinha pássaros na garganta. A definição foi tão perfeita que esse foi o nome dado ao disco que a artista de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, lançou em 1982. Mais do que uma brincadeira com sons, foi mesmo ouvindo a natureza da Chapada dos Guimarães, que a ela descobriu os sons escondidos na sua voz.

teteasasdoetereocapacdLançado na época pelo pequeno selo Som da Gente, Pássaros na garganta acaba de ganhar uma reedição primorosa feita pelo Selo SESC. O trabalho marcou a estreia de Tetê Espíndola como compositora, dando voz às matas e bichos do Centro-Oeste brasileiro. Como o assunto não se esgotou, a reedição traz junto o inédito Asas do Etéreo, gravado com a adesão de instrumentistas como Hermeto Pascoal, Egberto Gismonti, Jaques Morelembaum e da dupla de violonistas Duofel.

“Eu já estava na ideia de fazer um CD marcando os timbres dos instrumentistas e, quanto mais o novo disco avançava, mais abria conexão com o Pássaros”, explica Tetê, que canta cada faixa de Asas do etéreo num tom diferente. “Para você ouvir, tem que ser quieto. O disco começa a levar você para outra dimensão por conta dessa coisa dos tons. Cada tom mexe num xacra. É um negócio muito mágico e por isso ele se chama Asas do etéreo”, completa a cantora, que também recebeu o filho Dani Black para fazer guitarra e vocais na belíssima Trigo do amor. Outro destaque do disco Amarelando, baladinha apaixonada construída sobre um toque cru de violão costurado sobre o trombone sublime de Bocato.

Nos 30 anos que separam Pássaros na garganta de Asas do etéreo, Tetê Espíndola viveu muitas experiências, mas nada que a tirasse da linha que traçou no final dos anos 1970. Filha de uma família simples e cheia de música, Teresinha Maria Miranda Espíndola começou a vida artística quando mal tinha completado a maior idade. Ao lado dos irmãos, montou a banda LuzAzul, onde cantava e tocava sua craviola (instrumento desenhado por Paulinho Nogueira que mistura cravo e viola caipira). Instalada em São Paulo, mudou o nome da banda para Tetê Espíndola e o Lírio Selvagem e se integrou à Vanguarda Paulistana, ao lado de Arrigo Barnabé e Itamar Assumpção. Depois veio o sucesso de Escrito nas estrelas e, em seguida, um retorno à cena independente.

Tetê e Egberto Gismonti (Foto: Rafael Saar)

Tetê e Egberto Gismonti (Foto: Rafael Saar)

Com 60 anos completados no último 11 de março, Tetê Espíndola afirma que está com os mesmos agudos estratosféricos de décadas atrás. Num show recente dedicado ao disco Tetê e o Lírio Selvagem (1978), ela se impressionou de conseguir refazer o repertório de quando tinha 20 e poucos anos sem descer um tom sequer. “Minha voz é uma entidade, ela acontece. Se eu segurar isso, eu morro”, acrescenta ela, que prefere também não estudar técnica vocal para não perder a naturalidade. “A diferença maior (entre os dois discos que está lançando) é a amplitude de minha voz. Naquela época era só sopraníssimo e, agora, depois de três décadas, eu desenvolvi o meu contralto (notas mais graves). Estou domando minha voz”.

Quanto à natureza, Tetê Espíndola sempre a defendeu sem precisar levantar bandeiras. Mais do que campanhas ou hinos para serem cantados por multidões, ela prefere uma canção para “desatar o nó n’água” e “rolar o seixo em vaga”, como diz na parceria com Bené Fonteles. Por isso, em 1989, ela saiu gravando os sons dos pássaros da Amazônia e do Pantanal para realizar uma pesquisa, com apoio da fundação Vitae, sobre a voz humana e a musicalidade das aves. O trabalho ainda rendeu o disco Ouvir (1991), onde ela brinca com os sons que apreendeu na mata. “Essa coisa foi entrando na minha composição naturalmente e é tão famoso isso no meu show que todo mundo vira bicho. Tem quem vire sapo, jacaré, onça…”

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Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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