* Matéria publicada no caderno Vida & Arte em 5 de julho de 2014
Em 1917, o mundo vivia profundas transformações provocadas pela I Guerra Mundial, ainda em curso. No Brasil, outra disputa estava em campo no meio da cena cultural. Em entrevista a uma revista carioca, o compositor, músico e regente cearense Alberto Nepomuceno criticava a forte influência europeia sobre a cultura brasileira, principalmente na música. Segundo ele, ainda não havia aparecido “um gênio musical imbuído de sentimentos regionalistas que, segregando-se de toda influência estrangeira, consiga criar a música brasileira por excelência, sincera, simples, mística, violenta, tenaz e humanamente sofredora, como são a alma e o povo do sertão”.
O desejo de ter no País uma música que representasse seu povo marcou toda a trajetória desse maestro nascido em Fortaleza, no dia 6 de julho de 1864. Filho de Victor Augusto Nepomuceno, professor de violino e organista da Catedral de Fortaleza, e Virgínia de Oliveira Paiva, irmã do autor do marco regionalista Dona Guidinha do Poço, Alberto Nepomuceno recebeu do pai as primeiras noções de música. O talento demonstrado no piano e no órgão, antes mesmo de completar uma década de vida, já chamava a atenção de amigos como o Barão de Studart, um amigo próximo que frequentava a casa dos Nepomuceno, localizada onde hoje fica a Rua Senador Pompeu, no Centro.
A busca por uma melhor formação em música para Alberto levou a família para Recife, onde ele também começou a ter contato com os ideais abolicionistas e republicanos, dos quais tornou-se defensor ferrenho. As preocupações sociais e políticas se refletiram na música de Alberto Nepomuceno, que passou a lutar por uma linguagem mais brasileira para o que se produzia no Brasil. Suas críticas à influência europeia na música nacional dividiram opiniões, o que lhe incentivava a continuar trabalhando.
Tanta insistência rendeu a Nepomuceno títulos como o de “pai da canção de câmara brasileira”. Na sua época, propor um concerto cantado em português era uma afronta ao bom gosto. Pior ainda quando ele levou o maranhense Catulo da Paixão Cearense para tocar no palco do Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro. Era a primeira vez que um violonista se apresentava num espaço dedicado à música erudita. Como não poderia deixar de ser, a atitude gerou uma avalanche críticas por ele insistir em colocar um instrumento “menor” num espaço quase exclusivo da “verdadeira música”.
O fato é que ele desempenhou um papel fundamental na construção da música de câmara brasileira. Assim como trazia o melhor do que se produzia na Europa para cá, daqui também levava obras e as executava para as plateias de Paris, Berlim, Noruega, Bruxelas e outras. Embora tenha seu nome mais lembrado, um dos que recebeu grandes incentivos de Nepomuceno ainda em seus primeiros anos de compositor foi Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959). Vendo a dificuldade do carioca para editar suas composições, o cearense exigiu que sua editora o fizesse aproveitando o verso das próprias obras.
Outro compositor brasileiro que recebeu uma força de Nepomuceno foi Carlos Gomes (1836 – 1896). Vendo que o autor de O guarani estava doente e com dificuldades financeiras, coube ao maestro cearense organizar um evento beneficente que batizou de Festival Carlos Gomes. Curiosamente, apesar do sucesso internacional e do trabalho incansável, também ele sofreu por conta da falta de reconhecimento em sua terra. Menos de um mês depois do maestro alemão Richard Strauss reger a Orquestra Filarmônica de Viena na ópera O garatuja, composta por Nepomuceno, o cearense morria depois de uma noite inteira entoando Glória a deus nas alturas. Doente e cansado de defender ideias, se despediu de uma vida dedicada à música no dia 16 de outubro de 1920. Tempos antes, ele já havia anunciado em uma carta: “O esforço que faço é sincero, há de ser útil, muito embora não seja apreciado pela turba. Se os meus amigos ficarem satisfeitos, ficarei contente. É a mais alta compensação. A do público, que é inestimável, virá, embora tarde, reconhecer a minha sinceridade”.