Além de serem filhos da corrente migratória que saiu do Nordeste no início dos 70 para fazer música no Sudeste, Fagner e Zé Ramalho guardam muitas outras proximidades em seus trabalhos. Ambos são donos de vozes cheias de personalidade, que fogem dos padrões radiofônicos. Também é semelhante a compreensão que ambos têm do pop e como eles usam essa linguagem em seus trabalhos individuais. Além dessas questões estéticas, ambos são vizinhos no Rio de Janeiro e já trocaram importantes figurinhas musicais ao longo das carreiras.
Com tudo isso, era grande a expectativa para conferir o encontro desses dois ídolos nordestinos no palco. Registrado no CD/ DVD Fagner e Zé Ramalho ao Vivo, o show aconteceu no Theatro Net Rio, nos dias 28 a 30 de julho deste ano. A apresentação é dividida em duas partes. Na primeira, eles estão sozinhos com seus violões cheios de sons interpretando algumas maravilhas do nível de Asa partida e Chão de giz. Em seguida, entra a banda mínima formada por Manassés (violão), Mingo Araújo (percussão) e Marcos Farias (teclado e sanfona) para mandar outras pérolas, como Pedras que cantam e Kamikaze. A produção é de Robertinho de Recife.
O clima intimista, de poucas luzes e sem sobras era o tapete ideal para uma reunião de gigantes, uma parceria monumental cheia de emoção. No entanto, a falta de sintonia entre Zé Ramalho e Fagner segura a apresentação no freio de mão puxado. A impressão mais latente é que ambos estão ali a força, cumprindo tabela. Eles não se olham, não se cumprimentam, não se complementam. Pelo contrário. Apesar de estarem juntos em cena o tempo inteiro, parece que levantaram um muro entre o Ceará e a Paraíba que impede os artistas de se aproximarem.
[youtube]https://www.youtube.com/watch?v=FxtNoY–CMg[/youtube]Apesar da notória apatia dos artistas, Fagner e Zé Ramalho ao Vivo tem suas qualidades e a maior delas é o repertório. São 16 faixas sem excessos, apenas clássicos absolutos e uma outra mais rara que acaba dando mais sabor à seleção. Mucuripe, Pelo vinho e pelo pão e Garoto de aluguel estão ali, naquelas vozes que enaltecem e iluminam cada sílaba. O grave soturno de Zé Ramalho mantém beleza e personalidade, assim como o timbre passional de Fagner. No caso do cearense, é bem verdade que faz falta os vocais rascantes que emocionam os fãs há décadas. Tanto que, quando ele solta voz firme em Noturno, a plateia que fica a seus pés.
Também é verdade que o encontro daquelas vozes calejadas de experiência é de imensa beleza. Muito provavelmente, os fãs da dupla vão se emocionar com o trabalho e até deixar passar alguns detalhes, como o fato dos dois artistas passarem a apresentação inteira sem dar sorrisos ou conversarem com a plateia. Isso por que, de fato, trata-se de um encontro de artistas verdadeiros, donos de obras únicas e marcantes. Um pouco mais de boa vontade e Fagner e Zé Ramalho ao Vivo seria, sem sombra de dúvidas, o grande lançamento de 2014. Infelizmente, fica pra próxima.
Caro Marcos, você disse a mais pura verdade sobre este projeto que tinha tudo para ser “o projeto do ano” e nos decepcionou muito. A frieza entre estes dois monstros sagrados da nossa música é absolutamente inexplicável e inaceitável. Disseram que num dos três shows de gravação do DVD, o paraibano Zé Ramalho abandonou o palco, quando o cearense Fagner começou a cantar “Deslizes”. Ninguém entendeu nada. Como até agora, vendo e revendo o DVD, não entendemos a absurda falta de sintonia e a frieza, ainda mais espantosa dos dois no palco, como você bem disse, separados pelo muro que se colocou entre os dois. Lamentável, um repertório maravilhoso e uma apatia imperdoável. Fica pra próxima e que estes dois ícones da canção brasileira se entendam e se integrem no palco.