Gravação DVD ILÊ - F Alberto Lima (520)

* Matéria publicada no caderno Vida & Arte de 31.01

Em 1º de novembro de 1974, nasceu no bairro da Liberdade, em Salvador, um bloco que pensava o Carnaval de um jeito diferente. Mais que uma festa para dançar, eles queriam aproveitar aquele momento para valorizar e aprofundar os elementos da cultura africana já tão enraizados da história brasileira. Inicialmente, o bloco ia se chamar “Poder Negro”, mas acabou sendo batizado como Ilê Aiyê (expressão iorubá que significa “casa grande” ou “mundo negro”). Responsáveis por uma revolução na música e na forma como o Brasil lida com a própria cor, eles são os convidados deste fim de semana no Ciclo Carnavalesco, na Praia de Iracema.

O primeiro desfile do Ilê Aiyê aconteceu em 1975, puxado pelo famoso tema de Paulinho Camafeu – “Que bloco é esse? Eu quero saber. É o mundo negro que viemos mostrar pra você”. Daí em diante, todos os anos, eles buscam lançar luzes sobre histórias, povos e personagens negros. Para 2015, o tema escolhido foi “Diáspora africana – Jamaica – Afrodescendentes”, inspirado na Década Internacional de Afrodescendentes criada pela ONU, que teve início em janeiro deste ano. “Nunca tínhamos falado no Caribe. Esse assunto vem retratado nas fantasias, nas danças, nas músicas que resgatam a autoestima do povo negro. O tecido (das fantasias) é impresso em cima dessa simbologia, do Bob Marley. Um pouco desse tema já vai ser apresentado em Fortaleza”, adianta Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, fundador do bloco.

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A bateria do Ilê Aiyê é formada por cerca de 100 músicos, além de três mestres de bateria e um corpo de 30 dançarinos. Com o trabalho realizado em oficinas, ensaios abertos e shows, esse número tende a crescer anualmente. Para Fortaleza vem a formação mais enxuta conhecida como Band’Aiyê, formada por 10 músicos, dois cantores e três dançarinos, além do mestre Carlos Kehindê. Esse grupo de viagens mantém uma agenda regular de apresentações no exterior, além de já ter gravado com estrelas como Bjork, Daniela Mercury, Arto Lyndsay e Martinho da Vila. Um dos principais símbolos dos desfiles do bloco baiano, a Deusa do Ébano não pode vir por que as passagens do grupo foram emitidas antes de Alexandra Amorim ter sido eleita no evento conhecido como Noite da Beleza Negra.

Para Vovô, mais importante que o desfile de Carnaval é todo o trabalho realizado pelo Ilê em torno da valorização da cultura afro. “Nesses 41 anos, o grande ganho é ver o povo negro assumir sua negritude. Antes, eles preferiam dizer moreno ou cor de chocolate. Fizemos que a Bahia se mostrasse uma terra de negros”, aponta Vovô destacando que o Carnaval foi um veículo para essa transformação. Inclusive, o próprio Carnaval foi transformado pelo trabalho do Ilê. Vovô lembra que, antes do bloco, o som que tocava no período momino era o frevo pernambucano. “Com o Ilê, começou a tocar mais esses sons afros. O Carnaval ficou mais percussivo, mais colorido”.

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Na época, essas mudanças foram criticadas e o bloco levou nome de preconceituoso. O jornal baiano A Tarde, chegou a chamar o Ilê Aiyê de “nota destoante” do Carnaval justificando que “não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro”. E continuava: “a harmonia que reina entre as parcelas da população provenientes das diferentes etnias constitui, está claro, um dos motivos de inconformidade dos agentes de irritação que bem que gostariam de somar aos propósitos da luta de classes o espetáculo das lutas de raças. Mas, isto no Brasil eles não conseguem”. Anos depois, o mesmo periódico publicou um caderno especial se retratando com o bloco.

Hoje, mais que um bloco carnavalesco, o Ilê Aiyê é uma associação que promove uma série de trabalhos de conscientização e educação para a parcela negra baiana. Na sede do grupo, são promovidas reuniões, palestras e oferecidos serviços de vacinação a atendimento médico. Também faz parte da associação a Escola Mãe Hilda, de educação infantil e fundamental, e uma escola profissionalizante. Após o Carnaval, eles ainda distribuem cadernos informativos sobre o tema abordado no desfile. Nesta visita a Fortaleza, Vovô espera trazer essa consciência de respeito ao povo negro, bem como o ritmo dos tambores do Ilê. “O show do Ilê Aiyê é muito dançante. Com rapidez as pessoas se enturmam. Apesar das nossas músicas não tocarem nas rádios, nós continuamos fazendo sucesso”.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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