image001

Logo que tiver fotos da apresentação, elas entram por aqui

O clima era de grande estreia. Público ansioso, muitos selfies e comentários sobre que música cada um gostaria de ouvir. Assim foi a estreia do show Estradas em que Marcos Lessa aborda a obra crua e dramática de Gonzaguinha. O show,  que aconteceu ontem, no Teatro RioMar,  é baseado no segundo disco do cearense, também batizado de Estradas, que mal saiu da fábrica. O projeto comemora os 70 anos do compositor de Sangrando e contou com a produção de ninguém menos que Daniel Gonzaga, filho do homenageado.

Abordar a obra de Gonzaguinha tem seus facilidades, que também podem se tornar desafios. Dono de uma penca de hits que insistem em não envelhecer, mesmo 25 anos depois da morte do seu autor, Luiz Gonzaga do Nascimento Júnior tem sempre as mesmas músicas regravadas por uma infinidade de artistas. E, de um modo geral, eles preferem gravar aquelas que falam de amor e uma outra crítica social que, de tão cantadas, ninguém mais presta atenção.

O fato é que Gonzaguinha era (é) bem mais que um cronista das alcovas e bem mais que o cara que não estava com a bunda na janela para alguém passar a mão. O filho do Gonzagão, ao contrário do pai, era alguém de clara orientação comunista, dono de pensamentos densos, , opiniões políticas firmes, amante melancólico e protagonista de dramas pessoais desde o berço. Coisas que vão da pobreza à rejeição do pai. E tudo isso serviu de matéria-prima para suas canções.

Marcos Lessa só conhece esses dramas de vida em teoria. Daí ele ter feito uma boa opção para dar verdade às canções do seu homenageado. No lugar de fazer de conta que conhece a vida do morro ou os arranhões dos amores bandidos, ele se concentrou na voz e impôs ao repertório do show uma elegância inabalável. Para acompanhá-lo, dois dos melhores violões em atividade no Brasil: Eduardo (Dudu) Holanda e Cainã Cavalcante. Ou seja, refino até a tampa.

O repertório construído junto com o produtor Daniel Gonzaga dosou bem aquelas que todo mundo sabe de có e salteado e outras mais desconhecidas. Maravida, Festa e Infinito desejo foram duas gratas surpresas entre as já conhecidas Feliz, Explode Coração e Grito de Alerta. Tudo isso cercado pelas cordas da dupla de violonistas já era mais do que suficiente. Mesmo com a força e a atualidade desse repertório, é de se orgulhar o fato de alguém conseguir manter o público concentrado em um show tão minimalista dentro de um lugar tão grande.

E ainda tinha a luz que criava cenários diferentes a cada momento. E as projeções, com vídeos e fotos de Gonzaguinha a todo momento, criando surpresas e arrancando suspiros de saudade. O próprio Daniel Gonzaga se juntou a Lessa para algumas canções – confesso que não lembro quais – e arrancou mais aplausos da plateia. A voz é igual à do pai e isso, para muita gente já basta. Também fazendo participação especial, Aparecida Silvino e Lia Veras fizeram os vocais de Redescobrir, mas ficou claro que faltou ensaio. Até por que o arranjo intricado quebrou a melodia de tal forma que era preciso pegar a música com jeito. Mas não comprometeu.

No entanto, o grande momento da noite foi ver a segurança que Marcos Lessa vem conquistando em sua ainda curta carreira. A opção de entrar sem chapéu parece bobagem, mas acho que ele já percebeu não precisa mais dessa muleta cênica que o The Voice lhe deu. Voz é o que ele vem mostrando, cada vez com mais certeza de que nasceu para cantar. A afinação ainda é uma preocupação notória, mas não lhe falta leveza e simpatia para abraçar o público.

E por falar em público, esse fez questão de prestigiar seu novo ídolo. Pela primeira vez, pude ver o enorme Teatro RioMar absolutamente lotado. Pessoas voltaram da porta por que não conseguiram ingresso. Outra data tivesse sido aberta, outra multidão compareceria. E Marcos Lessa retribui o prestígio com uma produção cheia de esmero, sem estrelismos e com muito talento. É por essas e outras que ele se confirmando como a nova voz do Ceará.

P.S.: Como acontece em eventos desse porte, muitos mal-educados tirando foto com flash e conversando, pouco importando se isso incomodava ou não alguém. Contra isso há muito pouco a ser feito além de lamentar.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles