DJ-207_cmykDjavan saiu de Maceió, Alagoas, em 1972 para tentar a vida como cantor no Rio de Janeiro. A voz aguda e o violão personalíssimo lhe garantiram o sustento na Cidade Maravilhosa, lugar onde se fixou e morou por muitos anos. Mesmo que só tenha voltado para sua terra cerca de 40 anos depois, a vida e os costumes nordestinos nunca saíram da sua cabeça. Os sabores das comidas, as rimas dos cantadores, a mãe cantando em casa, a igreja, os hábitos, tudo ficava passando pelos seus olhos diariamente.

Essas lembranças são o que há de mais forte em Vidas pra Contar (Sony Music), novo trabalho que o compositor de 66 anos lança este mês. Trazendo 12 canções inéditas, este 19° disco de estúdio de Djavan traz uma carga autobiográfica pouco visto ao longo dos seus 39 anos de carreira. “O Nordeste em que vivi, há 40 anos, é bem diferente (do atual), mas guarda a essência que está impregnada na minha experiência. Adoro o povo, a comida, a fé e principalmente a fraternidade. Isso é uma peculiaridade do nordestino. Essa música reaviva minha memória afetiva.”, comenta o músico, por telefone, se referindo a Vida Nordestina, faixa que abre o disco.

Os versos de Vida Nordestina falam sobre um “povo sofredor” que convive com a dureza da estiagem e todas as angústias atreladas a ela. Mas fala também da menina que se arruma para a festa e da fé, pois “sem ela, tudo vai ser pior. Nem roça, nem gado existem sem Deus”. As lembranças também chegam forte em Dona do Horizonte, quando Djavan presta uma homenagem em notas agudas à mãe e ao desejo que ela tinha de ver o filho cantando como Orlando Silva e dando nome a alguma avenida. “Ela me colocava para Capinha - Djavan - Vidas pra Contarouvir Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Angela Maria. E ela era compositora, fazia música para cada filho. À medida que ela instigava para estudar, estudo era tudo na vida, ela me dava inspiração para a música”, lembra emocionado.

Vidas pra contar é amparado por músicos que já conhecem bem os ritmos quebrados cheios de grooves e aspirações jazzísticas de Djavan. Entre esses músicos, estão companheiros de estrada e estúdio há décadas como Carlos Bala (bateria), João Castilho (violão) e Paulo Calasans (teclados). Eles andaram afastados quando o alagoano se voltou para a banda formada pelos filhos em 2001, mas voltaram a tocar juntos desde o excelente Rua dos amores. “Esse pessoal tocou comigo por um bom tempo e é uma felicidade por que a gente se respeita. Na hora de fazer os arranjos, procuro ouvir sugestões deles. Se a idéia agrada, uso ou transformo. Mas, eles esperam muito por mim por que dizem que ninguém melhor que eu pra conseguir o que eu quero”, ri o músico.

O resultado desse encontro de composição e execução é um disco que seduz pela variedade de ritmos em canções de empatia imediata. Se Vida nordestina é um xote marcado por uma viola de 10 cordas, logo em seguida, Só para ser o sol é um dos bons funks pop que trazem o carimbo de Djavan em frente e verso. Já Primazia é uma tocante declaração de amor com ares de Sinatra, enquanto O tal do amor tem ares parisienses e Enguiçado tem um pé em George Gershwin. Espécie de ponto fora da curva, a música que dá nome ao disco usa guitarras pesadas e ritmo bem marcado para tratar de uma noite de insônia. Para encerrar, Ânsia de viver é um sambinha bem compassado na mesma linha Celeuma e Delírio dos mortais. As demais também lembram outros tantos momentos famosos da carreira de Djavan, o que mostra que sua fórmula de fazer música sempre rende momentos de deleite para os ouvintes.

Falando da vida

Entre clássicos da discografia nacional e obras que passaram despercebidas, conheça álbuns criados a partir de momentos particulares e lembranças de seus autores:
lokiLoki? (1973) – Arnaldo Baptista andava triste pela saída dos Mutantes e pelo fim do casamento com Rita Lee. Turbinado por doses pesadas de LSD, o músico criou uma obra visceral, triste e inesquecível. Desculpe resume o desespero.

erasmo carlosSonhos e memórias (1972) – Em 1972, Erasmo Carlos completou 31 anos aprendendo a lidar com o casamento e paternidade. Numa fase de calmaria hippie, em oposição aos anos rock, ele fez uma obra sentimental que fala sobre problemas conjugais (Grilos) e tédio na vida familiar (Sábado morto).

cabeça dinossauroCabeça dinossauro (1986) – Após a prisão de Toni Bellotto por porte de drogas e Arnaldo Antunes por porte e tráfico, os Titãs se viram numa encruzilhada entre o sucesso e a justiça. O resultado foi resumido num álbum pesado com faixas como Polícia e Estado violência.

certa manhãCerta Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos (2009) – Cozido na separação com Alessandra Negrini, com tem uma filha, Otto foi às raias da loucura em um trabalho pautado pelo peso e pela melancolia. Logo na faixa de abertura, Crua, fica claro a urgência daquele momento pautado pela saudade.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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