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Em 1º de agosto de 2016, Ney Matogrosso completa 75 anos de vida. Deste tempo, 43 anos foram dedicados a criar uma obra que transcendeu a música para confundir pensamentos, chocar os caretas e transformar-se numa revolução de comportamento. Muito dessa postura teve início quando ele formou, junto com João Ricardo e Gerson Conrad, o Secos & Molhados. O grupo existiu por apenas um ano e meio, o suficiente para bagunçar o coreto de um país que vivia sob as botinas da Ditadura Militar.

2212va01101.jpg.crdownloadDepois de dois discos e um sucesso sem precedentes do Brasil, o trio encerrou sua carreira entre acusações que o tempo nunca resolveu. Em busca de seguir adiante, o cantor foi à gravadora Continental pedir um novo contrato e saiu de lá com um acordo para gravar os três discos que dariam início à sua carreira solo. É desse ponto que tem início a jornada apresentada no box Anos 70.

2212va01102.jpgLançada pela Warner Music, a caixa agrupa os seis primeiros discos solo de Ney Matogrosso. De Água do Céu – Pássaro (1975) e Sujeito Estranho (1980), o pacote revela uma época em que qualquer movimento do artista nascido em Bela Vista, Mato Grosso do Sul, era respondido com aplausos de um lado e narizes tortos do outro. O corpo magro se rebolando sobre o palco, cantando um repertório de blues, rocks e modas de viola, era exatamente o tipo de provocação perigosa para aqueles tempos.

2212va01103.jpgMas Ney não tinha medo e selecionava canções com um grau de octanagem alto o suficiente para explodir os pensamentos mais caretas da época. O sucesso de suas apresentações entre o público jovem era tanto que muitas estrelas da música ficaram com ciúmes e também viraram a cara para ele. Mais uma vez ele deu de ombros e seguiu. Logo no primeiro trabalho, ele berrava “desperta América do Sul” numa afronta tão clara quanto os orgasmos que simulava em Açúcar Candy, curiosamente composta para um espetáculo 2212va01104.jpginfantil.

Em 1976 veio Bandido, segundo disco solo que trazia canções de Rita Lee, Chico Buarque e Gilberto Gil. Com supervisão de Rosinha de Valença, Ney queria arrojo artístico com sucesso comercial. Deu certo e a faixa Bandido Corazón ganhou até clip no programa dos Trapalhões. No disco seguinte, Pecado (1977), Ney conhece uma turma de cearenses que havia aportado no Sudeste em busca de fazer arte. De Rodger Rogério e Fausto Nilo, ele bota peso em Retrato Marrom, e regrava sozinho Postal de Amor, que havia dividido com Fagner em compacto de 1975. Ao lado 2212va01105.jpgdestas, a languida Boneca Cobiçada, do repertório de Carlos Galhardo, que servia de trilha para uma cena de strip-tease nos palcos.

Em Feitiço (1978), Rita Lee e Chico Buarque voltam a dividir as atenções de Ney com um cearense. Dessa vez foi Belchior que cedeu Sensual, uma celebração ao suor dos artistas sobre o palco. Depois de anos de maquiagem pesada, roupas provocantes, pulseiras e adereços, Ney Matogrosso queria provar que conseguia fazer sucesso de cara limpa. Daí veio Seu Tipo (1979), álbum que apontava para um repertório mais sofisticado com Tom Jobim, Fátima Guedes, Joyce e Eduardo Dusek. A proposta permaneceu em Sujeito estranho (1980), feito com canções do show anterior que ficaram fora do disco. Embora comportado 2212va01106.jpgna capa, a contracapa mostra que a personalidade provocadora de Ney continuava viva. Isso se reflete no repertório com Angela RoRo (Balada da Arrasada), Mutantes (Ando meio desligado), Luli e Lucina (Napoleão).

A história que se segue ao período guardado no box Anos 70 ajudou a manter Ney Matogrosso entre os nomes mais fortes da música brasileira. Seja em trabalhos camerísticos dedicados a Cartola e Angela Maria, ou em discos de forte acento pop com canções de Cazuza, Criolo e Pedro Luis, Ney tornou-se dono da própria estrada sem nunca ceder espaço para modismos ou soluções fáceis. E assim ele deve seguir ainda por alguns anos.

Serviço:
Ney Matogrosso Anos 70
O quê: box com os discos Água do Céu – Pássaro, Bandido, Pecado, Feitiço, Seu tipo e Sujeito estranho
Warner Music.
Preço médio: R$ 179,90

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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