MarinaLima4Em tempos de crise e dinheiro apertado, uma das constantes do mundo da música são os trabalhos de voz e violão. Nando Reis lançou um disco assim, Mallu Magalhães iniciou sua turnê também. Seguido essa toada, não são poucos os que escapam das dificuldades usando esse formato. Para alguns críticos, a frequência desse recurso já ganhou ares de pilantragem, mas parece mais uma forma de sobreviver aos novos tempos.

Mas há quem se destaque nessa seara solitária. Depois de mais de 35 anos de carreira, Marina Lima subiu num palco acompanhada só do violão, instrumento que, como ela já contou diversas vezes, a livrou da solidão quando, ainda jovem, foi morar nos Estados Unidos. Mais que uma seleção de sucessos interpretados em clima intimista, o disco No Osso, lançado pela Universal, traz a carioca expondo as marcas que acumulou ao longo de 60 anos de vida.

Capa CD - Marina LimaGravado em maio de 2015 no Sesc Belenzinho, No Osso escancara quem é Marina agora. E existe algo de marginal quando se ouve uma artista tão bem instalada num estilo de fácil aceitação radiofônica burlar as próprias regras para se expor de tal forma. A voz perdeu alguma clareza e ficou ainda mais frágil. Para compensar, a cantora bota para fora toda a sua força em interpretações viscerais ancoradas em um violão ora roqueiro, ora blueseiro, ora brasileiro, e sempre seguro.

O quarto disco ao vivo de Marina Lima sai cerca de 20 anos depois de uma crise de depressão que tirou do ar – temporariamente – uma das vozes mais populares das décadas de 1980 e 90. O que ela perdeu na ocasião não voltou. No entanto, no lugar de corrigir falhas digitalmente (como fazem muitos “afinados” por aí), a cantora se entrega ao público sem medo e se mostra ainda mais nua do que quando pousou para a Playboy em 1999.

O repertório de No Osso arregimenta 14 canções, que incluem sucessos bem populares, faixas de menor exposição e algumas poucas inéditas. No primeiro bloco, estão O Chamado, Virgem – ainda mais dolorosa – e Noite e Dia. No segundo bloco está a melhor parte. O Solo da Paixão, It’s Not Enough e Carente Profissional ganham uma nova chance de chegar ao público. E Na Minha Mão foge à regra do disco quando usa uma base percussiva pré-gravada. No entanto, a grande surpresa é a marota Transas de Amor, resgatada do disco de estreia de Marina, Simples como Fogo (1979).

No Osso também apresenta algumas surpresas inéditas. A abertura é com o rock Partiu, um convite para colar com ela e seguir adiante – a faixa também vem em versão remixada pelo duo paraense Strobo. Ao final, Na Gávea revela um lado sambista de Marina que raríssimas vezes apareceu. Por fim, ela dá uma leitura própria e doída para Can’t Help Falling in Love, lançada em 1961 por Elvis Presley no filme Blue Hawaii.

Completando o repertório de No Osso, Não me Venha mais com Amor, faixa tirada do menosprezado Clímax (2011), ganha uma versão ao vivo, furiosa e suingada. Funciona, apesar de parecer mais com o clima do ótimo e esquecido disco ao vivo Síssi na Sua (2000). Isso por que é nos momentos que está só com seu violão que Marina se mostra mais forte e contemporânea.

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Voltando algumas décadas no tempo, quando ela estreou em 1979, vale lembrar que houve um esforço para vender Marina como sex symbol. A capa do primeiro disco prova isso. Mas ela fugiu desse e de outros atalhos para o sucesso popular que as gravadoras costumam apresentar. Sem nunca integrar turma ou movimento, ela preferiu apostar no talento para fazer músicas confessionais e interpretá-las com o máximo de verdade possível. No Osso mostra que essa foi a opção correta a se tomar.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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