Da década de 1990 em diante, o termo eclético virou clichê no meio musical. Posando de roqueira, mas empunhando um violão MPB, uma geração de compositores se fez cavando espaço em festivais e rádios de diferentes perfis. Lenine faz parte dessa geração, mas tem mais personalidade para lidar com seu ecletismo. Tanto que, mais que eclético, seria melhor dizer que seu som é versátil. Com os dois pés bem fincados nas tradições brasileiras, ele sabe apontar para o mundo e construir pontes firmes.

Não é à toa que seu novo projeto, programado de chegar às lojas em outubro (num pacote de CD e DVD da gravadora Coqueiro Verde), foi batizado de The Bridge (“a ponte”). Gravado na Bimhuis, uma tradicional casa de jazz em Amsterdã, o trabalho reúne o som do pernambucano com a orquestra do maestro holandês Martin Fondse. São oito músicos em cena, entre cordas, sopros e bateria, além de Lenine, com seu violão personalíssimo, e de Martin, ao piano. Com instrumentistas da Alemanha, Holanda, Dinamarca, Noruega e Brasil, foram muitas pontes que se formaram naquele pedaço de chão.

O repertório de The Bridge é feito todo por canções de Lenine e seus parceiros. Muitas delas já ganharam muitas regravações. Ainda assim, os arranjos feitos de improvisos bem marcados e sonoridades plurais garantem algum ineditismo ao trabalho. Logo na abertura, A Ponte entrega o jogo e as intenções do projeto. “A ponte não é de concreto, não é de ferro, não é de cimento. A ponte é até onde vai o meu pensamento”, diz a canção de Lenine e Bráulio Tavares que sintetiza o que vem pela frente.

Apesar do tom sóbrio dos figurinos de cor preta, a mistura de instrumentações eruditas e jazzísticas da Martin Fondse Orchestra com a pegada pop, roqueira e nordestina de Lenine revela outras cores do encontro. O baterista alemão Dirk Peter Kölsch é um bom exemplo nesse cenário de influências, extraindo mil sons do seu instrumento, seja com baquetas, correntes ou um objeto que parece um carimbo. Atravessando essas pontes, eles desconstroem e reconstroem hits como A rede, Hoje eu quero sair só e Relampiano. Entre os destaques, Chão e O universo na cabeça do alfinete ganham mais intensidade no registro.

Lenine e Martin Fondse se conheceram por intermédio de Wim Westerveld, diretor de um importante festival de música na Holanda. Com 15 minutos de conversa, os dois perceberam que tinham muitas ideias em comum sobre fazer música. Juntos por três anos, eles já se apresentaram em festivais europeus, norte-americanos e no Brasil (incluindo o Rock In Rio). “Eu sempre fiz música para me conectar com as pessoas. Conectar-me com o público, com outros músicos, outras culturas e acho que a ponte é uma bela metáfora sobre nos conectarmos uns aos outros”, comenta Martin no filme exibido em primeira mão no Canal Brasil no último sábado, 24 (com reprise dia 30, às 10 horas). Sem datas para novos shows, é provável que o show The Bridge não volte a acontecer. Ainda assim, a ponte permanece erguida e pode voltar a ser atravessada a qualquer momento.

Serviço:
The Bridge – Lenine e Martin Fondse Orchestra Live at Bimhuis
17 faixas
Coqueiro Verde
Preço médio: R$ 24,90 (CD + DVD)

Outras pontes
capa_de_lenine_in_cite– Em 2004, Lenine montou um power trio com o percussionista argentino Ramiro Mussotto e a baixista cubana Yusa e gravou seu primeiro DVD em Paris.

lenine– Lançado em 2006, o Acústico MTV de Lenine foi farto em convidados internacionais. São eles a mexicana Julieta Venegas, o chileno Victor Astorga e o camaronês Richard Bona.

– Sempre requisitado como cantor, compositor ou músico, Lenine também já construiu uma infinidade de pontes no Brasil. Kid Abelha, Maria Bethânia, Guinga e Francis Hime são só alguns dos nomes que contaram com o pernambucano em seus discos.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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