1500x1500_03Entre os muitos e grandiosos compositores de samba, Adoniran Barbosa é o que mais sintetiza a alma deste ritmo. Tornou-se compositor como uma das muitas formas que encontrou para defender um trocado. Antes, foi também pintor (de paredes), encanador, garçom e ator. Sua consagração veio pelo Carnaval, quando conseguiu emplacar alguns sucessos em concursos das décadas de 1930. Mais adiante, temperaria suas letras doses de bom humor e tragédia, como é o cotidiano das pessoas mais simples.

Com um talento especial para a crônica, João Rubinato, como batizado este filho de imigrantes italianos, recebeu uma merecida homenagem em 2016, quando o samba que ele tanto engrandeceu completou 100 anos. Lançado em CD, DVD e hotsite, Se Assoprar Posso Acender de Novo nasceu quando o produtor de cinema Cassio Pardini encontrou partituras de composições inéditas de Adoniran e entregou para Lucas Mayer dar vida a elas. Criado em tempo recorde (menos de seis meses), o tributo reúne muitas texturas e imagens da música brasileira para dar vida a essas composições.

Num encontro inédito, Fernanda Takai e Leo Cavalcanti dividem afetos em O Rostinho de Maria, samba de caixa de fósforo que traz o ilustre cavaquinho de Seu Cléusio, do Grupo Talismã, que acompanhou Adoniran em seus últimos shows. Eduardo Pitta segue o ritmo cantando Ninguém Pode Negar, onde o autor reavalia a passagem do tempo. Mesmo que já o homenageado já tenha se queixado da chegada de sons mais modernos em Já Fui uma Brasa, esta homenagem que conta com 22 nomes abre espaço para folk e soul music e, por que não, rock. Mas o cuidado com a obra do pai do Trem das Onze é total, acertando nas medidas do respeito e da ousadia.

É nesse espaço que entra Liniker e os Caramelows brilhando em O barzinho, com um arranjo charmoso que evidencia a nostalgia da letra. Com um batuque que evoca As Gatas, Clementina e Martinho da Vila, Criolo dá seu recado na tristonha Até Amanhã. O duo paulista Versos Que Compomos na Estrada (Lívia Humaire e Markus Thomas) emocionam com o folk tristonho Naquele Tempo. Triste também é Passou, choro interpretado por um majestoso Ney Matogrosso, que remete ao projeto À Flor da Pele dividido com Raphael Rabello.

Quem mais soa como Adoniran Barbosa é Maurício Pereira, responsável pelo samba Receita de Pizza. Com aquela maestria de quem sabe jogar luzes para os elementos banais do dia, o autor descreve “soco, murro e bofetada” que a massa leva antes de ir à mesa dos glutões. E é aí que reside a grande herança de do autor de Saudosa Maloca, falar sobre o que está à nossa frente e mostrar que detelhes merecem atenção. Sejam mariposas ao redor de uma lâmpadas ou pessoas perdendo suas casas e tendo que se conformar com isso.

Serviço:
Se Assoprar Posso Acender de Novo
14 faixas
Eldorado
Preço médio: R$ 37,90

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

View All Articles