Fotos: Leo Aversa/Divulgação

Muito já se falou sobre as influências musicais de Jorge Ben, que passam por um sem número de sons de raízes africanas. Tem ainda um punhado de canções dele que já foram gravadas e regravadas à exaustão. Sua discografia clássica, lançada nas décadas de 1960 e 70, é sempre reverenciada por uma turma antenada de artistas. Ainda assim, nunca é demais celebrar a obra do autor de País Tropical e Que Maravilha.

Assim sendo, foi muito feliz a escolha do carioca de 71 anos para a homenagem de 2017 do projeto Nívea Viva. Chegando à sexta edição, a série criada e patrocinada pela empresa de cosméticos teve sua abertura na terça-feira, 14. O show aconteceu no Viva Rio, localizado no Aterro do Flamengo, e reuniu, além do homenageado Jorge Ben, a banda mineira Skank e a cantora paulistana Céu.

O clima era de festa, uma vez que os coadjuvantes são fãs confessos do Zé Pretinho. Antes do show, num rápido encontro com a imprensa, Samuel Rosa repetiu o quanto Ben Jor foi importante nos primeiros momentos do quarteto, época em que eles gravaram a obscura Cadê o Pênalti no disco de estreia. A faixa foi liberada por Ben Jor, que também ficou convidando o Skank para shows e apresentações de TV. Céu não estava menos feliz – apesar do jeito sempre discreto – e lembrou que sua mãe (à época namorada de Toquinho) foi a musa inspiradora de Carolina Carol Bela.

Como já é conhecido, há uma grande produção em torno dos shows do Nívea Viva. O palco, a iluminação e a qualidade de som são dignas de mega espetáculo. Isso ficou claro logo na abertura, quando o Skank tocou O Dia em Que o Sol Declarou seu amor pela Terra. Céu entrou em seguida para uma versão acelerada de País Tropical, que emendou com Cabelo, faixa lançada por Gal Costa que agora ganhou um arranjo meio safado. Fora do seu ninho sonoro, Céu fica deslocada em muitos momentos e até sombreada pelo peso sonoro do Skank. Por outro lado, defende bem seu espaço e, como já disse, o clima não é de competição, mas de festa.

Somado ao Skank, o percussionista Lincoln Cheib é responsável por um molho mais brasileiro no som dos mineiros. E Samuel Rosa, um dos melhores músicos de sua geração, cresceu muito como cantor e frontleader. Foram mais de três horas de show e uma fileira de cerca de 35 canções. A entrada de Jorge foi emocionante, com a banda do Zé Pretinho chegando discretamente, todos de branco e se misturando aos que já estavam no palco. O homenageado foi o último a entrar com sua guitarra, sem alardes, como se estivesse indo para um ensaio. Quando menos se viu, tinha 17 pessoas em cena e um baú de grandes canções.

Sozinho com a banda (comandada pelo baixista Dadi, também produtor musical do projeto) ou ao lado dos convidados, Ben Jor sentou a mão na guitarra para tirar os riffs que marcaram sua discografia e que já foram sampleados no mundo todo. No palco, ele alterou a ordem das músicas e ficou combinando tudo na hora. Muito à vontade, ele foi animando a festa com Que Maravilha, Magnólia, Zazueira, Por Causa de Você, Menina e outras. Claro, tamanha liberdade acabou embolando o meio de campo e o show foi interrompido meio de supetão. Parece que o homenageado não queria parar de tocar.

A liberdade de improvisar tudo na hora deu ao show algo muito raro em espetáculos desse porte: espontaneidade. No entanto, prestando atenção, era possível perceber a preocupação nos rostos de Samuel Rosa (espécie de anfitrião do show) e de Dadi. Ben Jor, nem aí, seguia mexendo no seu baú e tirando as canções que queria. A propósito, a presença de Dadi Carvalho traz toda uma simbologia ao show. Ele é filho dos anos 1970, músico talentosíssimo que já tocou com todos os grandes ídolos nacionais – inclusive o próprio Ben Jor, no excepcional África Brasil (1976) – e também um cara que soube transitar da era do porralouquismo para a era do politicamente correto sem prejuízos e trazendo uma imagem que reflete seu jeito profissional de ser.

Fazendo uma retrospectiva das outras cinco edições do Nívea Viva, a presença de Jorge este ano parece sintetizar a história do projeto e, ao mesmo tempo, reforçar a importância deste senhor na música brasileira. A primeira edição, de 2012, foi com Maria Rita cantando as canções de Elis Regina, maior cantora brasileira e uma das intérpretes de Jorge Ben que deu sua interpretação explosiva para Zazueira e Bicho do Mato. No ano seguinte, o homenageado foi Tom Jobim, parte do tripé fundante da Bossa Nova – junto com Vinicius de Moraes e João Gilberto. Só lembrando, Ben Jor é também filho dessa bossa, estilo musical que ele temperou no início da carreira. Esse tempero foi chamado de sambarock ou samba esquema novo, e foi justamente o samba o homenageado da Nívea em 2014. O ano seguinte foi para celebrar Tim Maia, amigo de música e farras do Zé Pretinho. Tim também foi pródigo em abrasileirar ritmos importados, como o soul e o funk, algo que Ben Jor faz com uma mão amarrada às costas. Entre esses ritmos, está o rock, o que nos faz voltar ao termo “sambarock” e ao estilo que foi homenageado pela Nívea em 2016. O termo “sambarock” nunca foi bem aceito por Ben nem pela crítica musical, mas como dar nome ao balaio sonoro criado pelo homem que lançou  A Tábua da Esmeralda?

Jorge Ben Jor não é do samba, nem do rock, nem do erudito, nem da bossa nova, nem do funk, mas transita como um camaleão entre todas essas linguagens. Seu show tem muito ritmo, batida, solos de guitarra, samba no pé e um coral do tamanho da plateia que estiver presente. Após o show de estreia, o projeto Nívea Viva realiza mais seis apresentações gratuitas pelo Brasil. As cidades selecionadas são Porto Alegre (02/04), Rio de Janeiro (09/04), Fortaleza (07/05), Recife (21/05), Brasília (11/06) e São Paulo (25/06). Segundo a assessoria, a apresentação de Fortaleza volta a acontecer no aterro da Praia de Iracema.

About the Author

Marcos Sampaio

Jornalista formado pela Universidade de Fortaleza e observador curioso da produção musical brasileira. Colecionador de discos e biografias. Admirador das grandes vozes brasileiras.

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